A discussão sobre a estrutura binária da linguagem, seja falada ou escrita, não é nova no Ocidente. Os seus primeiros registros fazem parte do debate promovido pelas feministas anarquistas da década de 1970.
Uma das autoras que ganhou notoriedade ao chamar atenção para a estrutura heteronormativa da linguagem foi a filósofa francesa Monique Wittig (1935-2003). Para a autora, a maneira como a linguagem se estabeleceu ao longo da história diz respeito a consolidação e estruturação da “mentalidade heterossexual”.
Dois textos de Wittig versam sobre a questão de como a linguagem, na maneira como está organizada, serve de base para manter as estruturas de poder heteronormativas e masculinista: "A mente hétero", publicado em 1978, e "O corpo lésbico", publicado em 1973. Ambos são referências para o debate até hoje.
Wittig pontua em seus textos que o binarismo de gênero presente na linguagem também pressupõe uma cultura baseada em tal ordem normativa.
Um novo mundo necessita de um novo alfabeto
Para que a linguagem pudesse dar conta do mundo performado no cotidiano, a autora vai propor uma reformulação nas palavras e em toda a estrutura de linguagem. Um novo mundo necessita de um novo alfabeto.
A retomada do debate sobre o binarismo de gênero na estrutura da linguagem no Ocidente ganha novo fôlego com os estudos e movimentos feministas e Queer do final dos anos 1990, estes inspirados na obra de Wittig.
Os estudos contemporâneos seguem os rastros deixado por Monique Wittig e, atualmente, apresentam ferramentas que visam diminuir a demarcação binária da linguagem, daí o uso de artigos como “@”, “X”, “e” e “u” no lugar de “a” e “o”, que são usados para demarcar o “feminino” e “masculino”. Também é proposta a utilização da letra “E” no final dos pronomes: “Ele/Dele”. Em alguns casos também é utilizado o artigo “U”: “Elu”.
Cabe destacar que, além da questão linguística propriamente dita, está em discussão o fato de a língua ser um fenômeno vivo e que, historicamente, assimila transformações que se dão na sociedade. Ou seja, uma língua que represente novas formas sociais e culturais em curso. Linguagem também é representação.
A obra de Monique Wittig foi responsável por boa parte dos debates teóricos, crítico e feministas sobre a estrutura da linguagem e como esta formula a vida, e reproduz as estruturas de poder.
As suas teses encontram eco nas obras de Michel Foucault, principalmente quando o filósofo francês trata dos dispositivos de controle sobre os corpos. Na contemporaneidade o principal herdeiro – e também continuador de suas ideias -, é o filósofo Paul Preciado.