“La famiglia lavoratrice festeggia”: Mooca, para sempre em meu coração!

Na coluna de hoje, Tuta do Uirapuru discorre sobre o bairro em que cresceu, que completa 465 anos e suas origens no mundo do samba

Ilustração: DGC
Escrito en CULTURA el

Por Estevan Mazzuia *

Em meados do século XVI os primeiros brancos começaram a erguer suas casas às margens do Rio Tamanduateí, em São Paulo. Os nativos da região teriam exclamado algo como “eles estão a fazer casas”. Em tupi-guarani, “moo-oca”. Surgiu assim um dos mais tradicionais bairros paulistanos. Oficialmente, em 17 de agosto de 1556.

Mas foi com a imigração, ao final do século XIX, que o crescimento chegou pra valer. Croatas, lituanos, e muitos, mas muitos italianos, que fizeram do bairro o que deve ter sido a maior “cidade” italiana fora da Itália. Mooquense que se preze tem que usar as mãos pra falar, e um sotaque bem carregado, se estiver a fim de ser respeitado pelos seus pares: “ma che, bello?”.

Confesso que não nasci na Mooca. Mas me mudei tão cedo para lá que não tenho lembranças mais remotas de nenhum outro lugar. Por lá finquei minhas raízes. Saí há mais de dez anos, mas a Mooca não saí de mim. Há quem diga que você pode sair da Mooca, mas a Mooca jamais sairá de você. É a mais pura verdade. Com muito orgulho, carrego a Mooca para onde quer que eu vá.

Pra conhecer a Mooca, tem que comer uma pizza no Ângelo, um docinho na Di Cunto, encarar uma aglomeração na Festa de San Genaro, e assistir um jogo do glorioso Clube Atlético Juventus, no Estádio Rodolfo Crespi, ali na Rua Javari. Ainda não inventaram máquina do tempo, mas ao comprar seu ingresso você já volta pros anos 40. Os velhinhos nas sociais, com suas indefectíveis boininhas, fugindo do bombardeio causado pelas pombinhas no telhado... E tem que comer o “cannole”. Há quem compre o ingresso só pra ficar na fila do “cannole”.

E na Mooca a tarantela se encontra com o samba, claro. Em 8 de maio de 1976 foi fundado o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Uirapuru da Mooca, que desfilou por apenas três anos, e suspendeu suas atividades por outros vinte. Em 2001 a escola ressurgiu das cinzas e, com dois vice-campeonatos seguidos, alcançou a quarta divisão, em 2003. Mais alguns anos de árduo trabalho, e conseguiu alcançar o segundo grupo, onde desfilou em 2010 e 2011, sendo a primeira escola do bairro a conseguir esse feito. Desde 2012, ela está no terceiro grupo, terminando quase sempre na metade superior da tábua de classificação, tentando retomar sua melhor fase.

Em 18 de março de 1987, sete anos depois que o Uirapuru suspendeu suas atividades, foi fundado o Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Unida da Mooca ou, simplesmente, MUM, que chegou a frequentar o terceiro grupo nos anos 90, desceu ao inferno na primeira década deste século, voltando a desfilar no último grupo, mas se recuperou e chegou ao grupo de acesso em 2019. Hoje, no melhor momento de sua história, é uma das escolas mais queridinhas da cidade, e sua chegada ao grupo especial parece questão de tempo.

A relação entre as agremiações sempre oscilou entre a rivalidade mais tensa e a parceria. A MUM, que fica praticamente no coração do bairro, sempre acusou o Uirapuru de pertencer à Água Rasa, bairro vizinho, o que não chega a ser uma mentira. Mas a Água Rasa pertence a algo que podemos chamar de “Grande Mooca”. Então, a pendenga jamais terá fim.

Tenho a felicidade de ter participado de ambas as histórias. Em 2001, cansado de ficar nas arquibancadas, resolvi que iria desfilar em alguma agremiação em 2002, mas não tinha a menor ideia de qual seria. Até que descobri a existência do Uirapuru da Mooca, e resolvi conhecer a quadra. Foi uma agradável surpresa, pois a estrutura era muito melhor do que eu poderia imaginar. Como todo mundo me chamava de “alemão”, pra não virar mais um “alemão” no samba, comecei a me apresentar com meu apelido de família, já que meu nome nunca deu samba. Surgiu, assim, o Tuta do Uirapuru. Desfilei diversos anos na bateria, e cheguei a compor algumas vezes para os concursos de samba-enredo, mas nunca obtive sucesso.

Eu já havia passado diversas vezes na frente da quadra da rival, mas somente em 2004 decidi conhece-la, e acabei me envolvendo também com a bateria. As escolas desfilaram em grupos e noites diferentes, naquele ano. No carnaval de 2005 ocorreu minha maior consagração no carnaval de São Paulo. Em parceria com um grande amigo, venci o concurso de samba-enredo, e tive a honra de ver a escola desfilar cantando versos compostos por mim, uma glória que jamais desfrutei novamente. Boêmio que sou, não poderia ter tido mais sorte: o enredo era uma homenagem à noite paulistana.

Ambas levaram a história da Mooca para a avenida, mais de uma vez: o Uirapuru logo em seu primeiro desfile, em 1978, com “Mooca, seu passado, suas glórias”, ficando em terceiro lugar no quarto grupo, a um posto do acesso. Depois, em 2005, com “Aprendi amá-la desde cedo, dentre os amores de minha vida”, quinto lugar no quarto grupo, novamente a um posto do acesso. Por fim, em 2013, “Eu sou da Mooca com muito orgulho e ao som da bateria a Mooca é carnaval”, vice-campeã do terceiro grupo, e... adivinhem! A um posto da promoção!

A MUM homenageou o bairro, pela primeira vez, em 2004, justamente em minha estreia na escola, com “Mooca Amore Mio - Ontem, Hoje e Sempre”, conquistando um acesso, com o segundo lugar do sétimo e último grupo. Em 2011, com “Mamma mia, il Mooca ès la nostra terra”, conquistou o oitavo lugar no terceiro grupo.

As escolas se encontraram no mesmo grupo pela primeira vez somente em 2012, com vantagem ao Uirapuru (5º lugar) sobre a MUM (7º lugar). Em 2013, Uirapuru vice, MUM rebaixada. Em 2015, novo encontro no terceiro grupo: Uirapuru em terceiro, MUM novamente rebaixada. O jogo começou a virar em 2017, sempre no terceiro grupo: MUM em segundo, Uirapuru em oitavo. Em 2018, no último confronto direto, MUM campeã e promovida, Uirapuru em sexto.

Sou muito bem recebido até hoje pelas duas agremiações. Nunca fui cobrado, por uma, de participar da outra. Torço pelo sucesso das duas. O samba permite, e ainda bem!

A Mooca passou por intensa transformação: no início do século XX, o ativismo comunista e anarquista imperava no bairro. Havia uma região conhecida como Praça Vermelha, entre a Avenida Paes de Barros, a Rua da Mooca, a Rua Taquari e a Rua do Oratório, as vias mais conhecidas da Mooca. Em 1930, moradores foram até o bairro vizinho, do Cambuci, exigir o fim do tratamento desumano dado a sindicalistas confinados na delegacia local, no episódio carinhosamente conhecido como a “Queda da Bastilha”. Os franceses copiaram a ideia “um pouco antes”.

Hoje, infelizmente, o bairro está irreconhecível. Você ainda se sente na Itália, mas na de Mussolini.

É muito difícil sustentar o amor por um lugar nessas condições, porque os lugares são feitos de sua gente, seu povo. Mas como cada um de nós carrega a Mooca consigo, quem sabe se a gente juntar cada pedacinho de Mooca que há pelo mundo, não dê para traçar um panorama diferente?

A Mooca sempre será, para mim, o coração do mundo. Então, simplesmente, fecho os olhos e fantasio a persistência da Praça Vermelha, do ativismo operário, e revivo a “Queda da Bastilha” do Cambuci, a cada lembrança de meu ninho.

Se sou o que sou, é porque sempre trouxe a Mooca comigo.

E isso não é pouca coisa não.

Obrigado, Mooca, e parabéns pelos seus 465 anos de luta e resistência!

*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.