Liberdade, igualdade e fraternidade em nosso querido Brasil!

Na coluna de hoje, Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, discorre sobre os cinco séculos de relação entre França e Brasil, relembrando o desfile da Leandro de Itaquera em 1998

Ilustração: Daniel GC
Escrito en CULTURA el

Por Estevan Mazzuia *

Despreparado, desonesto, indeciso, incompetente, falso, pouco inteligente e autoritário. Eis a imagem que dois terços do povo brasileiro fazem de seu chefe de Estado, segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha na última semana. Destaco, entre tais atributos, o “pouco inteligente”. Achei bem simpático.

Esta semana, contamos com a estreia do maravilhoso trabalho do cartunista Daniel GC, para ilustrar nosso tradicional samba do crioulo doido, entre carnaval e política.

Avancemos.

As coisas não vão nada bem para JB. O sonho da reeleição está se tornando um pesadelo. Segundo o mesmo Datafolha, Lula tem 46% das intenções de voto para presidente, contra 42% da soma dos demais candidatos. A coisa está tão complicada que as pesquisas realizadas pela Jovem Pan e pela Record apontam empate técnico entre Lula e JB. Não houve como espremer mais os números. A melhor amostra que conseguiram foi essa aí.

JB, por sua vez, parece estar começando a perceber que a amostragem que faz para suas “pesquisas” pessoais pode estar um tanto viciada e, talvez, ele não tenha o apoio de 100% dos brasileiros, como às vezes faz parecer acreditar. A se confirmarem os números do Datafolha e outros institutos “comunistas”, é melhor “Jair” procurando outro emprego. Difícil será arrumar outro com uma agenda tão “folgada”.

Os tradicionais arroubos já não mais indicam a ilusão de segurança no poder: JB foi convidado, pela Mesa Diretora da CPI da Covid, a esclarecer as acusações de prevaricação, no caso das denúncias de corrupção no Ministério da Saúde, que teriam lhe sido apresentadas pelo deputado Luís Miranda, bolsonarista. De maneira bem elegante, foi-lhe oportunizado responder às acusações, para que sobre sua idoneidade não parassem dúvidas. Descontrolado, JB respondeu, não aos senadores, mas a toda a nação brasileira: “CAGUEI”.

Essa foi a resposta de nosso Presidente da República ao Senado Federal. Repito, não houve nenhuma acusação contra JB, na carta encaminhada pelos senadores. Ocorre que JB não havia se pronunciado sobre as acusações e, passadas mais de duas semanas, as pessoas poderiam achar que tinha caroço nesse angu. Mesmo que estejamos falando em um cidadão acima de qualquer suspeita, o mitológico JB.

Na segunda-feira, JB dissipou as dúvidas. Depois de uma reunião com Luís Fux, o presidente do STF, assumiu ter recebido “uns papéis” de Miranda, mas que a prevaricação se aplicaria a servidores públicos, não a ele. JB não se vê como um servidor público. Isso explica porque insiste em atender a interesses particulares, desde que, por um lamentável lapso nacional, chegou ao Planalto.

A resposta aos senadores foi apenas mais uma das incontáveis pérolas de JB. Quem não se recorda de quando ele sugeriu que a mulher de Emmanuel Macron, o presidente francês, fosse feia, em agosto de 2019, em um comentário em postagem de rede social de um de seus comparsas? No mesmo mês, já havia cancelado uma reunião com o chanceler francês Jean-Yves Le Drian, alegando compromisso. Pouco depois, apareceu em suas redes sociais, dirigindo-se a seus cúmplices, enquanto tinha seus cabelos aparados.

Esses fatos ocorreram em meio a divergências a respeito do descaso do governo brasileiro com questões ambientais. Ricardo Salles, porém, contava com o aval de JB para continuar passando a boiada. E olha que nem estávamos em meio à pandemia ainda. Aliás, na última segunda-feira, o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, afastou Rubens Lopes da Silva, que fez parte da equipe de investigação de crimes ambientais cometidos pelo ex-ministro do Meio Ambiente.

Eu fico com muito medo do que ocorrerá em nosso país quando esse jabuti finalmente for retirado de cima da árvore. Até lá, as coisas vão piorar bastante. Eu acho que JB irá evacuar sobre a cama presidencial, e espalhar suas fezes pelo Palácio do Alvorada, só para ficar na parte anedótica do caos. A ver.

Mas voltemos à França de Macron e Le Drian, porque nesta quarta-feira completam-se 232 anos da tomada da Bastilha, dando início à Revolução Francesa.

E, como não poderia deixar de ser, vamos relembrar mais um momento em que a história se fez carnaval. O ano era 1998, o local era o sambódromo do Anhembi, em São Paulo, e a escola era a Leandro de Itaquera, sétima a desfilar na noite de 21 de fevereiro, com o enredo “França e Brasil, unidos pela sedução”, de Marco Aurélio Ruffin.

A proposta da vermelho-e-branco era abordar as relações entre os dois países, ao longo de cinco séculos, por meio de três mil componentes, distribuídos em 24 alas e seis carros alegóricos.

A comissão de frente representava o navegador Binot Paulmier de Gonneville, que teria chegado aqui em 1503, dando início à exploração francesa do pau-brasil. Fábio de Melo, responsável por inesquecíveis comissões de frente da Imperatriz Leopoldinense nos anos 90, havia sido contratado para trabalhar junto à agremiação paulistana. Saiu alegando haver recebido cheque sem fundo, e ameaçando processar a escola, caso fosse utilizada sua coreografia. Babado.

A julgar pela atrapalhada maneira pela qual os integrantes apresentavam os estandartes com as bandeiras dos dois países, o trabalho de Fábio, preciso com capas, leques, e outros adereços, não foi utilizado.

O carro abre-alas representava o encanto europeu com a descoberta do Eldorado, trazendo o leão, símbolo da escola. A primeiras alas faziam referência à apresentação dos índios tabajaras em Ruão (que já deu samba, e já foi tema desta coluna), aos calvinistas da França Antártica, e ao apelido de “papagaios amarelos”, como os franceses eram chamados pelos “pindoramenses”.

A fundação de São Luís e a França Equinocial estavam representadas na segunda alegoria, abrindo o setor que trazia a Revolução Francesa e a corte de D. João, o rei fujão, que correu de Napoleão, mas organizou a Missão Artística Francesa, que seria fundamental no estabelecimento do ensino técnico e artístico em nosso país.

A bateria era comandada por Laudelino Francisco de Oliveira Filho, o Mestre Lagrila, o maior do carnaval paulistano, com passagens por Nenê de Vila Matilde, Mocidade Alegre, Camisa Verde e Branco, Rosas de Ouro e Unidos do Peruche.

As baianas representavam a moda parisiense, e vinham à frente do terceiro carro, o requinte francês que se refletiu na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, e em tantas outras localidades brasileiras. Tempos em que a França ditava os rumos da bagaça toda...

Karin e Chocolate formavam o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira. Ela é filha de Leandro, e a escola foi um presente de aniversário prometido pelo pai. Uma das estórias mais fofinhas do carnaval paulistano.

Não faltaram menções à gastronomia, aos famosos perfumes e à Torre Eiffel, sobre o quarto carro, que lembrava das estripulias de um glorioso brasileiro na cidade-luz: Santos Dumont.

A escola também lembrou que o lema “Ordem e Progresso” de nosso pendão, sequestrado por JB, o rei da desordem e retrocesso, foi inspirado na doutrina social do sociólogo francês Auguste Comte.

A influência francesa em nossas instituições estava presente em uma ala de passo marcado que simbolizava a Academia Brasileira de Letras.

O quinto carro, o mais bonito, representava a Belle Époque e suas influências na arquitetura, pintura, decoração e moda, transformando o Rio de Janeiro em um retrato de Paris.

No último setor, a escola homenageou o fotógrafo e pesquisador Pierre Verger, que se envolveu com o candomblé por aqui, passando a se chamar Fatumbi.

Encerrando o desfile, a última alegoria trouxe representações da pirâmide de vidro do Museu do Louvre, e da escultura “O Pensador”, de Rodin, salientando as influências culturais francesas.

O samba, composto por Chocolate, David Poeta, Batata do Cavaco, Zezinho Invocado, Elias do Cavaco e Ed Melodia, foi puxado por Quinzinho, consagrado no Rio de Janeiro, com passagens pelo Salgueiro e Império Serrano (é com a gravação original do “Bum bum praticumbum prugurundum”). Infelizmente, a melodia não era agradável e a letra, excessivamente burocrática:

“Tentaram... afrancesar o Rio e o Maranhão / Mas Portugal não dava mole não

Dizendo assim: “aqui é o meu lugar” / Mais tarde autorizado por Rei D. João

A arte chega em forma de missão”

Se o samba não ajudou muito, as fantasias simples e o acabamento ruim das alegorias contribuíram ainda mais para que a escola terminasse em oitavo lugar, entre as dez concorrentes, com 276,50 pontos.

Para nós, fica a boa lembrança das participações da Leandro de Itaquera no grupo especial de São Paulo, no qual esteve pela última vez em 2014. A escola apresentou belíssimos carnavais no final dos anos 80 e começo dos anos 90, e sempre foi reconhecida pela garra de sua comunidade.

Que os ventos deste 14 de julho de 2021 nos tragam da França os ideais de fraternidade, igualdade e liberdade, que tanto precisamos neste momento terrível de nossa história, para que retomemos, o quanto antes, nossa posição de vanguarda no cenário mundial, abandonando para sempre esse rótulo macabro que colaram em nossas testas.

Façamos nossa Tomada da Bastilha às avessas, colocando na prisão aqueles que, com um falso discurso de moralidade, tornaram a mamata grande de novo.

P.S.: a coluna de hoje é dedicada aos 86 mortos e mais de 400 feridos no ataque terrorista em Nice, ocorrido em 14 de julho de 2016.

*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.