Por Kerison Lopes *
Belchior volta à cena com um CD de músicas inéditas. A surpresa vem diretamente de Santa Catarina, por onde o cantor realizou a sua última turnê, quando musicou e gravou oito sonetos do poeta Cruz e Sousa. A relíquia ficou guardada desde 2005 por um amigo, o produtor José Gomes Neto, que agora começa uma saga para realizar o projeto através de financiamento coletivo, que será lançado em 1º de junho.
Muitos elos existem entre o poeta e o cantor. As letras de Belchior eram poemas musicados e Cruz e Sousa escrevia sonetos marcados pela musicalidade. O catarinense era chamado de Dante Negro, numa referência ao poeta italiano Dante Aliguieri, autor da Divina Comédia, que o cearense passou a vida com seu exemplar debaixo do braço, traduzindo e ilustrando suas páginas.
Os dois tiveram um reconhecimento tardio de suas obras, o que os fez terminarem suas vidas isolados e pobres. Belchior morreu morando de favor no Rio Grande do Sul. Cruz e Sousa faleceu em Minas, onde se tratava de uma tuberculose, que fez seu corpo ser transportado para o Rio de Janeiro num vagão destinado a animais, em viagem fúnebre paga pelo escritor José do Patrocínio.
Ouvir novamente Belchior será possível graças a sua amizade com José Gomes Neto, “construída através do amor em comum pela literatura”. Foi na sua casa, em que recebia o parceiro em longas estadias, que produziu a gravação dos sonetos: Abrigo Celeste, Vida Obscura, Supremo Verbo, Feliz, Ilusões Mortas, Sonho Branco, Incensos, Serpente de Cabelos.
Por terem sido gravados em apenas um canal, será necessário isolar a voz anasalada dos sons dos teclados. Depois, serão sincronizados com arranjos que estão sendo preparados pelo maestro João Mourão, baixista da Banda Radar, que acompanhou Belchior por uma década.
José Gomes foi professor da Universidade Federal de Santa Catarina e usava as letras de Belchior em suas aulas, fato que despertou a curiosidade do seu ídolo que quis o conhecer. Juntos escreveram o livro “Cancioneiro Belchior”, ilustrado pelo próprio, que é a primeira pérola tirada do baú onde Gomes guarda o maior acervo já encontrado de Belchior. Nele está também a obra mais esperada pelos seguidores do cantor: a sua tradução do livro Divina Comédia, que será publicada em obra ilustrada pelos desenhos também deixados pelo artista.
Cruz e Sousa é considerado o pai do Simbolismo no Brasil e, para José Gomes, que tem um livro sobre o poeta, um dos principais representantes do gênero literário no mundo. Filho de escravos, é um dos precursores da literatura afro-brasileira. Foi criado pelos donos da Casa Grande e teve a oportunidades de estudo que negros da sua época não tinham. Mas ao longo de sua curta vida (o afrodescendente morreu com 36 anos) foi vítima de vários episódios racistas. Manifestava sua indignação como editor do jornal republicano e abolicionista Tribuna Popular.
Esse é o segundo trabalho em que o cantor transforma poesias em música, além das de sua autoria, claro. Um ano antes de gravar Cruz e Sousa, em 2004, Belchior musicou 31 poemas do “Poeta Maior”, no projeto As Várias Caras de Drummond, que lançou junto com o mesmo número de gravuras com o rosto do mineiro pintadas por ele.
O projeto Belchior Canta Cruz e Sousa entra no ar a partir do próximo dia 1º de junho, através de vaquinha virtual na plataforma Benfeitoria. O CD virá em embalagem customizada, com 3 painéis e um box. Acompanhará um livreto/encarte com 16 páginas coloridas com a apresentação do projeto, os perfis do músico e do poeta e as letras dos sonetos.
*Kerison Lopes é presidente da Casa do Jornalista de Minas Gerais, ex-presidente da UBES e do Sindicato dos Jornalistas e fundador do Bloco Volta Belchior.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.