Para Marcia Tiburi, é preciso mudar a realidade, caso contrário “não sobreviveremos como sociedade”

Coautora do livro “Um fascista no divã”, a filósofa diz: “É uma pena que o autoritarismo tenha vencido. Mas a história é cíclica. Podemos superar o que está dado hoje. Vai depender da luta”

Marcia Tiburi - Fotos: Divulgação
Escrito en CULTURA el

Com o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil voltou a lidar, diariamente, com manifestações de ódio e autoritarismo, ataques aos direitos humanos, opressão, preconceitos, entre outros fatores de difícil compreensão e convivência.

A filósofa e professora Marcia Tiburi tem opinião contundente sobre o momento do país: “Somos obrigados a mudar essa realidade, caso contrário não sobreviveremos como sociedade”, diz. Ela, atualmente, leciona na Universidade Paris 8, sendo bolsista do Programa Pause e do Artist Protection Fund.

“O neoliberalismo é um sistema de abate dos que ficam em desvantagem na desigualdade social, que é a sua estrutura mais básica. Não temos como negociar com essa realidade. Temos que mudar o sistema, derrotar a opressão, e isso passa pela mudança da subjetividade”, destaca.

Essa realidade teve início a partir do golpe que retirou a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) do poder, em 2016, e que culminou com o trágico momento pelo qual o país atravessa.

Para discutir essas questões, Marcia, ao lado do jurista e psicanalista Rubens Casara, está lançando o livro “Um fascista no divã” (Editora Nós).

“Escrevemos esse livro entre 2016 e 2017, analisando o processo do golpe e da ascensão do fascismo. Era óbvio o que estava acontecendo naquela época, mas, para muitos, infelizmente, o fascismo se tornou óbvio apenas hoje”, reflete Marcia.

Ela conta que a obra não era para ser um livro, mas uma peça de teatro. “É um texto para a ação teatral. Há muitos motivos. Um deles é falar mais diretamente com as pessoas. A ficção pode ser um bom caminho para profundas reflexões sociais e políticas. O texto é um convite para pensar como a naturalização do absurdo pode custar caro”.

“A peça começou a ser construída após uma conversa com José Celso Martinez Corrêa (diretor teatral) sobre o crescimento do pensamento autoritário no Brasil e a importância do teatro como um espaço de resistência ao neofascismo. Um fenômeno que já dava fortes sinais no Brasil em 2016”, acrescenta Rubens Casara.

Rubens Casara

Luta

A filósofa lamenta a recente trajetória brasileira: “É uma pena que o autoritarismo tenha vencido. Mas a história é cíclica. Podemos superar o que está dado hoje. Vai depender da luta”, alerta.

Contudo, segundo Marcia, o caminho não será fácil. “De minha parte, posso dizer que não há fascismo sem extermínio de massa. Ou seja, se não acabarmos com o fascismo, ele acabará conosco. O anúncio da matança foi dado, a guerra civil é um convite. Precisamos olhar para isso e puxar o freio de mão”.

Para exemplificar, ela menciona os recentes fatos de prisões, com base na Lei de Segurança Nacional, resquício da ditadura militar, de pessoas que, simplesmente, resolveram protestar contra o governo Bolsonaro.

“O governo está tentando conter o ódio que ele mesmo estimula no povo. Bolsonaro sabe que não tem mais volta”, resume.

Familiaridade

“Um fascista no divã” conta a história de uma psicanalista de renome, que recebe um paciente que se apresenta como um potencial candidato à presidência da República totalmente estressado. 

Por sugestão dos publicitários que cuidam do marketing de sua campanha, o fascista procura na psicanálise um espaço no qual possa falar livremente, sem prejudicar seu projeto político. De sujeito engraçado, um pouco exagerado, ao longo dos encontros com a psicanalista, ele passa a demonstrar o quadro de desequilíbrio em que vive.

A partir daí, são expostos diálogos entre a irracionalidade e a razão, os preconceitos e o conhecimento e, aos poucos, é revelada a personalidade autoritária e paranoica, muito comum e familiar nos dias atuais.