A cantora e compositora Zélia Duncan afirmou em entrevista à repórter Maria Fotuna no jornal O Globo, publicada nesta sexta-feira (5) que “só Bolsonaro me assusta mais do que essa palavra (sapatão) me assustou um dia”.
Em uma longa conversa, Zélia lembrou sua participação no curta "Paciência Selvagem", de Érica Sarmet (que assina o roteiro e a direção), onde sua personagem faz homenagem à cantora Vange Leonel, morta em 2004. No filme ela atuou com Bruna Linzmeyer.
“Quando terminei o filme, escrevi um texto dizendo que as meninas me devolveram o orgulho de ser sapatão. Que, graças a elas, essa palavra agora pertencia a mim e nunca mais ninguém ia me ofender com ela”, afirmou.
Zélia comentou também sobre as críticas que passou a receber nas redes por conta de seu ativismo. “Entre os amigos, virei um símbolo dessa pessoa que se coloca. Meu avô dizia que, para quem quer ser cidadão, é preciso ter um couro de anta para que as coisas não te firam. É um paradoxo para o artista, que precisa ser amado. Esses ataques batem não só na pessoa, como no artista. Mas pessoas que falam isso não me ouvem. Quero quem tem dúvida, que deixa uma brecha. Não bato boca com ninguém, bloqueio. Quando vou no perfil dessas pessoas, tem sempre uma bandeira de futebol, do Brasil ou uma Bíblia. No meu tempo, era antagonismo ser cristão e armamentista. Hoje, há traficantes invadindo terreiros se dizendo cristãos, que Deus está com eles. Como vou discutir com uma pessoa que está ao lado de Deus?”, brinca.
Sobre o assunto, ela disse ainda ser “uma questão de temperamento. Os amigos me dizem ‘cuidado’. Agradeço aos que temem por mim, mas tenho aprendido a me colocar. Não sou uma kamikaze maluca, mas não vou virar um rato, com medo de perder público como alguns artistas. Quando alguém escreve me atacando, não é o meu público. E. se for, ok, uns vão, outros vêm. Não vou ficar contando plateia? Meus shows não são palanque, mas um pensamento ou outro vou falar. Até porque o que penso está nas minhas músicas. Prefiro a verdade, por mais que doa”.
A cantora disse também que rompeu com muita gente: “Perdi amigos, cobrei de uma amiga de infância nas eleições... Tínhamos um grupo de quatro amigas. Eu sou gay, estou na minha fase mais assumida. Fiz o curta sobre visibilidade lésbica, "Uma paciência selvagem me trouxe aqui", estou me vendo confrontada com esse assunto de uma maneira que nunca fui e me sinto convocada a ser honesta. Respeito quem não quer falar dessas coisas, mas meu caminho foi para chegar aonde estou e quero seguir melhorando. Não posso ser a pessoa que sou sem lutar contra o racismo, a homofobia, a transfobia”.
Sobre Elba Ramalho, de quem é amiga, e que recentemente afirmou que "os cristãos são o calo na vida dos comunistas", Zélia disse:
“Foi difícil, mas gosto muito dela. Temos uma relação antiga e, te juro, não falamos de política, porque somos opostas nesse lugar. Virei uma guerrilheira, né? (risos).”
Com informações do Globo