Por Estevan Mazzuia *
Mais um ano chega ao fim e, com o início de outro, renovam-se as promessas que jamais serão cumpridas, e os desejos que raramente se realizam.
Como se, por encanto, os relógios e os calendários que criamos pudessem identificar algo de especial na transição da próxima sexta-feira para o sábado seguinte.
Eu, particularmente, não tenho muitos motivos para festejar. Não queria que 2018 acabasse (volta, Temer!), e não vejo a hora de que 1º de janeiro de 2023 se anuncie.
Nesse caso, pouco importa se os relógios ou calendários conseguirão se aperceber de qualquer mudança de fato à nossa volta. A verdade é que, se não ocorrer nenhuma calamidade, 2022 será o último ano desse desgoverno inerte, que nada fez em três anos, senão destruir tudo que fora feito por governos anteriores, sem nada erguer em seu lugar.
Espero que meu próximo réveillon se inicie em 2 de outubro de 2022, sem a agonia de um segundo turno para varrer do mapa esse cidadão nefasto que ocupa o Palácio da Alvorada, e já afirmou ter tido o azar de ser eleito, embora deseje a reeleição. Tudo nele é contraditório, tudo nele é falso.
Por outro lado, não havendo segundo turno, ele terá três meses inteiros para destruir o pouco que ainda restar de pé, e entregar uma terra arrasada para seu sucessor. Não serão em 4 anos que nos recuperaremos desse erro histórico. Em 40 anos, talvez, embora algumas perdas sejam irrecuperáveis, como as 618 mil vítimas do descaso sanitário.
Mas para seguir na linha da esperança, inaugurada semana passada, e deixar de lado meu habitual pessimismo, resolvi relembrar o desfile da Dragões da Real no carnaval paulistano de 2015. Desenvolvido por uma comissão de carnaval, tendo Júnior Schall à frente, o enredo “Acredite se Puder” havia sido sugerido por um simpatizante da agremiação, formada por integrantes de uma torcida organizada do São Paulo Futebol Clube.
3400 foliões, divididos em 25 alas e 5 alegorias, defenderam o samba de Godói, Galo, Thiago SP, Gordinho, Carlos Jr., Lagrilinha, Rodrigo Atração, Sisney Caló, Edson Liz e Tigrão, puxado por Daniel Collete:
“Quem sou eu pra dizer / O que o amanhã vai trazer? / Escrevendo meu destino
Construindo a minha história / Vou crescer e sonhar / ‘Voar, voar, voar e superar’
Está dentro de cada um / O poder de transformar / E venha o que vier / Acredite se puder!”
Montado em seu triciclo, Willy Wonka vinha à frente da comissão de frente, que trazia uma representação da fábrica de doces.
O carro abre-alas era uma enorme biblioteca, da qual Tomé, um garoto descrente, era conduzido pelo dragão, símbolo da escola, por três universos do imaginário que são palco de estórias infantis.
Surgiam os seres encantados, as bruxas e bruxos, os ents e sátiros que habitam as florestas encantadas. A alegoria que encerrava o setor trazia foliões como troncos das árvores, produzindo um efeito bem interessante.
Comandada por Mestre Tornado, a bateria representava dragões guerreiros dourados, que mantêm acesa a chama da crença.
A segunda parada do voo do dragão foi em Atlântida, a cidade perdida, e os elementos traziam todos os encantos do fundo do mar. As baianas representavam as joias da Atântida.
Após, a conectividade e os brinquedos futuristas ilustravam o último cenário, no qual até mesmo a reprodução humana poderia ocorrer por meios tecnológicos, e a Terra se tornaria o melhor destino das galáxias para o turismo interplanetário. A alegoria que fechava o setor tinha os Jetsons como destaque.
O último setor tratava da construção de sonhos e da importância da educação para as verdadeiras e necessárias transformações. No último carro, o pequeno Tomé se convence do poder mágico do “acreditar”, e o dragão carrega um troféu, acreditando na realização do sonho de se tornar campeão do carnaval. Na frente da alegoria, um casal conduzia o pavilhão da Lavapés, tradicionalíssima escola de samba paulistana, madrinha da Dragões, tetracampeã de 1950 a 1953, e campeã em 1956, 1961 e 1964. Em 1975, a agremiação do Glicério se apresentou pela última vez no grupo principal, e passa por uma reestruturação comandada pelo ator Aílton Graça.
Com 269,3 pontos, a escola terminou em quinto lugar na classificação final.
Não precisamos de um Brasil como uma floresta encantada, Atlântida ou futurista. Precisamos de um país em que as pessoas possam voltar a comer. Um país em que as pessoas possam descansar depois de uma longa vida de trabalho.
No momento, precisamos sair desse buraco em que o ódio nos meteu. Precisamos deixar de lado essa carência por heróis, e essa criminalização da política, que nada mais é que a expressão de nossos anseios em meio à sociedade em que estamos inseridos.
Desejo que, em 2022, possamos votar com a razão, e não com o fígado. Possamos escolher presidentes governadores por sua capacidade de administrar nosso patrimônio, não por seu perfume, terno ou corte de cabelo.
E, acima de tudo, precisamos entender, de uma vez por todas, a importância de escolhermos deputados que nos representem, para que possamos ter um parlamento que reflita as nuances de uma sociedade que não é formada, em sua maioria, por médicos, engenheiros, advogados e empresários, homens, brancos.
Infelizmente, não dá para esperar muito de 2022, além de que não seja o pior desses quatro iniciados em 2019. Mas em 2023 a gente pode voltar a sorrir.
Assim como o Tomé idealizado pela Dragões da Real, montemos no dragão (da inflação?) para conseguirmos sobreviver a 2022 e chegarmos mais fortes em 2023.
Acreditem, se puderem!
E façamos acontecer.
*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.