O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), abriu a Bienal do Livro de 2021 na cidade com uma indireta ao ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Na edição do evento em 2019, Crivella censurou um livro - para adultos - de temática LGBT que continha um beijo gay, sob a alegação de que a obra continha "conteúdo impróprio para menores", em um claro gesto homofóbico.
Paes, então, deu o tom da Bienal deste ano, que já está sendo classificada como "descrivelizada".
“A intolerância tomou conta do Brasil nos últimos anos e o momento mais simbólico dessa situação infelizmente aconteceu na Bienal de 2019. Foi uma marca de preconceito, intolerância e censura. Quero pedir desculpas a todos que estiveram envolvidos na organização da Bienal na edição de 2019 por aquele absurdo. Beijem-se à vontade", disse o chefe do Executivo carioca.
De fato o evento está com outra cara. Em diversos pontos do Riocentro, onde a Bienal está sendo realizada, há telões que destacam palavras como "diversidade", "liberdade", "acolhimento", "sensibilidade" e "transformação". Além disso, há um painel que mostra dois rapazes se beijando, referência à capa de um dos livros expostos, em meio às inúmeras obras que abordam temáticas LGBT, de diversidade, racismo, inclusão social, entre outras.
Relembre a censura
Em setembro de 2019, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, anunciou pelo Twitter que mandou que os organizadores da Bienal do Livro do Rio de Janeiro recolhessem um livro “com conteúdo impróprio” dos stands. Segundo ele, a publicação, voltada para adultos, trazia conteúdo sexual destinado a crianças.
“Pessoal, precisamos proteger as nossas crianças. Por isso, determinamos que os organizadores da Bienal recolhessem os livros com conteúdos impróprios para menores. Não é correto que elas tenham acesso precoce a assuntos que não estão de acordo com suas idades”, disse em publicação que acompanhava vídeo em que mostrava o livro censurado.
A obra trata-se do HQ “Vingadores – a cruzada das crianças”, que traz cenas em que heróis mantém relacionamento homoafetivo. A publicação não é voltada para o público infantil.
O vereador Alexandre Isquierdo (DEM) chegou a criticar a comercialização da publicação no plenário da Câmara dos Vereadores. Ele apresentou moção de repúdio à Marvel, à Panini e à editora Salvat. “Um alerta aos pais! O livro infantil da Marvel que propaga o homossexualismo para as crianças!”, disse.
Ação de Felipe Neto
Em reação à censura de Crivella, o empresário e influenciador Felipe Neto comprou e doou milhares de livros de temática LGBT.
Felipe Neto havia anunciado a compra de 10 mil exemplares para serem doados ao evento. Esse número, no entanto, aumentou para mais de 14 mil — todos entregues lacrados, em resposta irônica à exigência de Crivella. A seguinte mensagem foi escrita em cada embalagem: “Este livro é impróprio para pessoas atrasadas, retrógradas e preconceituosas. Felipe Neto agradece a sua luta pelo amor, pela inclusão e pela diversidade”.
Apesar das filas gigantes, a distribuição ocorreu sem maiores problemas. Os livros empacotados foram colocados no centro de uma praça no Riocentro, e duas filas foram formadas para as pessoas receberem os exemplares. O tempo de espera não passava de 10 minutos.
Como os livros entregues eram voltados ao público juvenil, a maior parte da fila foi formada por adolescentes. Alguns deles seguravam bandeira do orgulho LGBT+ ou vestiam acessórios com as cores do arco-íris. O pouco tempo de espera na fila fez com que muitos visitantes conseguissem pegar mais de um exemplar. Com isso, a praça da Bienal virou uma espécie de mercado de escambo, com pessoas trocando livros repetidos como se trocassem figurinhas do álbum da Copa.