Por Estevan Mazzuia *
Então é Natal... A festa cristã...
Não, “pera”...
Hoje vou falar de Natal, mas da cidade potiguar fundada às margens do Rio Potengi em 25 de dezembro de 1599 que, em 1999, foi tema do Acadêmicos do Salgueiro. De autoria de Luis Fernando Abreu, e desenvolvido por Mauro Quintais, o enredo “Salgueiro é sol e sal nos quatrocentos anos de Natal” contou a história da segunda menor capital brasileira em área territorial, e sexta em densidade populacional, com cerca de 900 mil habitantes.
A onda de homenagear cidades, estados e países, os chamados “enredos CEP”, começou a ganhar corpo naqueles anos 90, sempre na intenção de obter uns caraminguás da localidade homenageada para incrementar o orçamento, o que, por vezes, acabana não ocorrendo e se tornava um tiro no pé. O Salgueiro não passou por esse problema, recebendo apoio tanto de Natal como do Rio Grande do Norte, durante os preparativos para o desfile.
Com o absurdo número de 5800 foliões divididos em 36 alas e 6 carros alegóricos, a escola foi a quarta a desfilar em 14 de fevereiro de 1999, um domingo de carnaval.
O samba, puxado por Quinho, fora composto por Líbero e Eduardo Dias, além de Celso Trindade e Demá Chagas; estes dois, também autores do samba de 1993, imortalizado pela expressão “explode coração”:
“É sol, é sal, é paixão, amor / Natal é pura emoção, vem brindar...
Bate na palma da mão, a festa vai começar / São quatro séculos de história, pra contar”
Havia uma expectativa de que o êxtase de 93 poderia se repetir em 99 o que acabou não ocorrendo, embora tenha sido um desfile acima da média, como o Salgueiro costuma fazer.
A presença holandesa na cidade, entre 1633 e 1654, foi lembrada na comissão de frente. Na época, Natal ficou conhecida como Nova Amsterdã.
Logo atrás, vinham o jogador de futebol Edmundo e o ator Eri Johnson, figurinhas carimbadas da escola.
A miscigenação entre holandeses e índios potiguares era o tema do carro abre-alas.
Todas de branco, as baianas representavam a vida na cidade, e eram seguidas por três alas que faziam referência aos índios potiguares.
Em outra ala, os piratas franceses, que se aproveitavam da segurança oferecida pelo estuário do Rio Potengi para se abastecerem, antes de retomarem a exploração do pau-brasil.
A segunda alegoria representava a Fortaleza da Barra do Rio Grande, hoje conhecida como Fortaleza dos Reis Magos, fundamental para a expulsão dos franceses e a fundação da cidade. O ator Paulo César Grande incorporava Maurício de Nassau, na frente do carro.
O segundo setor do desfile fazia homenagem a folclorista natalense Câmara Cascudo, trazendo expressões como a caboclinhos, dança na qual espécies de arco e fecha são usados como instrumento de marcação, o João Redondo (mamulengo), o boi-calemba (bumba-meu-boi) e o reisado, entre outros.
Fernando Luís, filho do renomado historiador, estava no carro que encerrava o setor, abaixo de uma escultura do cajueiro de Pirangi, o maior do mundo, ponto turístico da cidade.
O casal Ana Paula e Sidcley representava o sol de Natal, e vinha à frente dos 300 ritmistas comandados por Mestre Louro, irão de Almir Guineto. Os integrantes da bateria estavam vestidos como Lampião, todos usado os indefectíveis óculos do cangaceiro.
O terceiro setor era dedicado à presença norte-americana na cidade, durante a Segunda Guerra: conhecida como o Trampolim da Vitória, a base aérea de Parnamirim permitia a decolagem de aviões ianques para a Europa e África, a partir de 1941. Uma das hipóteses para a origem da expressão “forró” estaria nos avisos na entrada dos bailes populares, convidando os soldados para a festa: “for all”. A ala do Capitão América do Sul se destacou por trazer os integrantes fantasiados do famoso herói, mas com as cores da bandeira brasileira, e um tucano no chapéu.
A alegoria que encerrou o setor trazia a réplica de uma aeronave, e os atores Antônio Grassi e Zé de Abreu.
O setor seguinte era dedicado ao turismo e aos esportes radicais, trazendo jangadeiros, o mergulho ecológico, os parapentes puxados pelos buggies, o centro de pesquisas espaciais da Barreira do Inferno, e os passeios pelas dunas de Genipabu, “com ou sem emoção”. A modelo Solange Gomes banhava-se seminua no centro da quinta alegoria da escola.
Por fim, o caju, as lagostas e o mar, iluminados pelo sol, que encerrava o desfile representado em uma alegoria dourada, com 600 metros de neon auxiliando na iluminação. Xangô do Salgueiro era o destaque principal. Pouco acima dele, outra modelo bastante famosa à época, Cristina Mortagua, mãe de um filho do jogador Edmundo.
Logo atrás, a velha-guarda da escola, que teve que correr para que o desfile fosse concluído dentro dos 80 minutos previstos.
Com 265 pontos, o Salgueiro conquistou o quinto lugar naquele carnaval.
É com a lembrança desse desfile sobre Natal que resolvi desejar a todos um Natal repleto de esperança.
Esperança por dias melhores, para que a fome e a inflação, que voltaram a assolar o país, como a mais previsível consequência dessa tresloucada aventura em que o ódio e a ignorância nos meteram, voltem a ser uma triste lembrança do passado.
Que no próximo Natal tenhamos motivos reais para festejar, de forma que o carnaval fora de época natalense possa se estender por todo o Brasil, num enorme e inesquecível Carnatal.
Afinal, a esperança há de vencer o medo e, como dito por Dayanne Holanda e Gioconda Bretas, no poema “Manifesto do Amor”:
“Eu passarinho.
Tu passarinhas.
Ele não.”
Amem muito.
*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.