Por Estevan Mazzuia *
Já aproveitei este espaço para falar da Mooca, bairro paulistano onde cresci e me criei, e de Santos, cidade que frequento desde a mais tenra idade, e onde me estabeleci há alguns anos.
Hoje falarei sobre outro lugar com o qual possuo uma forte relação de afeto: a cidade de Jundiaí, localizada a 57 quilômetros de São Paulo.
Foi lá que nasceram meus avós paternos. Meu avô Aurélio era extremamente caprichoso em artes manuais, e ainda arriscava escrever romances e poemas que eram publicados no jornal da cidade. O Comendador Mário Mazzuia, seu irmão, foi um dos principais historiadores de Jundiaí, e ganhou uma rua em sua homenagem.
Quis o acaso que o lado materno da minha família também tivesse ligações com a cidade. Meu avô, minha mãe e minha tia foram funcionários de uma grande empresa sediada na “Terra da Uva”, embora tenham trabalhado, a maior parte do tempo, em escritórios na capital.
Sintetizando a história, cresci na capital, com um pezinho no litoral, e outro no interior. A cada quinze dias eu visitava meus avós naquela simpática cidade e, por vezes, cheguei a passar alguns dias, durante as férias escolares. As estórias de meu avô, sua vasta coleção de selos, a rotina de visitas a bancos e supermercados, seu Fusca cor-de-laranja, tudo aquilo era fascinante para mim.
O inquilino do Palácio da Alvorada, aquele que, por razões ainda desconhecidas, se irrita ao ser chamado de “noivinha do Aristides”, chegou a morar na cidade em meados dos anos 60, em um dos tristes capítulos da belíssima trajetória da localidade.
Jundiaí completou 366 anos no último dia 14 e, por isso, relembrarei de quando a cidade tomou conta da Marquês de Sapucaí. No carnaval de 2014, a escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz levou para a avenida o enredo “Do toque do criador à cidade saudável do Brasil – Jundiaí, uma referência nacional”, de Daniel Ghanem e Sylvio Cunha, que o desenvolveu ao lado de Munir Nicolau.
Apesar de ser uma escola carioca, está mais distante da Sapucaí do que algumas escolas da Baixada Fluminense, como Grande-Rio e Beija-flor: são 57 quilômetros da quadra ao sambódromo. Curiosamente, a mesma distância de Jundiaí ao centro de São Paulo.
Fundada em 18 de fevereiro de 1959, a Santa Cruz desfilou no grupo principal em sete oportunidades, sendo rebaixada em todas elas. Em 2014, foi uma das 17 escolas da série A, a segunda divisão, a buscar o acesso.
Preguinho, Léo do Tamborim, Douglas Ramos, Robinho do Cavaco e Rodolfo Frez compuseram o samba que, na voz de Paulinho Mocidade, embalou os 2500 componentes, distribuídos em 23 alas e 4 carros alegóricos:
“Chegou Santa Cruz, o chão vai tremer / A comunidade faz acontecer
É Jundiaí, a inspiração / Pra bater mais forte o meu coração”
A comissão de frente trazia 15 integrantes com fantasias diferentes, cada uma simbolizando um dos elementos de inspiração do criador que, num toque de magia (representado pelo mestre-sala Robson Sensação e pela porta-bandeira Ana Paula), criou o paraíso habitado por índios curuquins (representados na primeira ala), sintetizado no carro abre-alas, que se tornaria Jundiaí.
As baianas faziam menção a uma grande figueira que teria servido de abrigo aos primeiros imigrantes, tornando-se uma árvore lendária.
As crianças estavam fantasiadas de bagre, o peixe que deu origem ao nome da cidade (Jundiaí = rio dos bagres, em tupi-guarani).
As alas seguintes aludiam aos bandeirantes, e aos ciclos da cana-de-açúcar e do café.
A chegada da ferrovia Santos-Jundiaí, em 1877, era o tema do segundo carro alegórico, todo dourado, com uma grande maria-fumaça à frente, e imigrantes como destaques.
A importância da imigração para o desenvolvimento da localidade reaparecia nas alas seguintes, representando italianos, japoneses e portugueses. 75% das famílias jundiaienses têm origem italiana, e a minha está entre elas.
Os ritmistas, comandados pelo Mestre Rafael Queiroz, representavam a banda que tocou na inauguração da estação do trem.
Seguiram-se alas que se referiam ao Circuito das Frutas, região turística da qual Jundiaí, com sua tradicional Festa da Uva, faz parte. Infelizmente, a alegoria que encerrava esse setor teve problemas com esculturas quebradas e iluminação, que falhou em alguns pontos, prejudicando a apresentação. Como se não bastasse, em determinado momento do cortejo, abriu-se um grande buraco à frente do carro, prejudicando o quesito evolução.
No último setor, 200 foliões de Jundiaí integravam a ala em homenagem ao Paulista Futebol Clube, o principal clube de futebol da cidade, que conquistou a Copa do Brasil de 2005 diante do Fluminense, no Rio de Janeiro, credenciando-se a disputar a Taça Libertadores da América em 2006. Apesar da eliminação ainda na primeira fase, o cube obteve uma vitória memorável sobre o River Plate, um dos maiores clubes da Argentina e do mundo. Tempos inimagináveis para um Paulista que, em 2021, agoniza na quarta e última divisão do futebol paulista.
O clube é conhecido como Galo do Japi, em referência à Serra do Japi, uma das grandes áreas de Mata Atlântica nativa contínua no estado de São Paulo, conhecida como "Castelo de Águas", expressão que designava a ala em homenagem à região.
Encerrando o desfile, a velha-guarda da escola, celebrando a qualidade de vida da cidade que detém o segundo melhor IDGM (Índice de Desafios da Gestão Municipal) brasileiro, seguida da última alegoria, toda azul, trazendo uma espécie de esfera de onde partiam diversos edifícios, em todas as direções. O carro era intitulado “graças a mim também o Brasil tornou-se grande”, tradução de “Etiam per me Brasilia magna” lema de Jundiaí, em latim.
Esse carro apresentou vazamento de óleo que teve que ser contido pela organização, para não prejudicar as agremiações que desfilariam em seguida, mas nada que comprometesse no julgamento.
Com 295 pontos, a Santa Cruz conseguiu apenas o 12º lugar, ficando muito distante do acesso.
Tenho duas lembranças anedóticas sobre a megalomania do jundiaiense. Certa feita, em um expressivo telejornal, foi noticiada a captura de um foragido “na pequena Jundiaí, no interior de São Paulo”. O suficiente para que minha mãe, que nessa época já trabalhava na sede da empresa mencionada no início deste artigo, testemunhasse uma revolta dos munícipes no dia seguinte. Revolta essa que, pelos relatos que chegaram até mim, teve proporções, de fato, grandiosas.
Já meu pai não perdia a oportunidade de destacar a quantidade de semáforos, possivelmente a maior concentração por metro quadrado em todo o mundo. Por mais pacata que fosse a esquina, sempre havia um par de semáforos a lembrar a onipotência jundiaiense.
Como diria Casimiro, “oh que saudades que eu tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais...”
Jundiaí faz parte de mim e, por isso, eu não poderia deixar de reverenciá-la por mais um ano de existência.
Parabéns, Jundiaí.
E muito obrigado!
P.S. A coluna é dedicada, esta semana, a Hildemar Diniz, o Monarco, baluarte e presidente de honra da Portela, falecido no último sábado, dia 11 de dezembro. Ah, se eu for falar de Monarco, hoje não vou terminar...
*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.