Foi a partir de uma emblemática foto, provavelmente de 1916, imortalizando o encontro de três grandes exímios violonistas da época, que motivou o intérprete e educador Max Riccio, especializado em violões e guitarras românticas, a se debruçar na obra de Quincas Laranjeiras, João Pernambuco e Agustín Barrios.
Em seu novo EP “Retrato Carioca” – uma alusão direta à fotografia tirada na loja Cavaquinho de Ouro, na Rua Uruguaiana, no Centro do Rio de Janeiro, onde se vendiam e se fabricavam instrumentos musicais, na época um point dos violonistas – Riccio busca eternizar cinco obras dos citados compositores, lançando mão, inclusive, da gravação com uma réplica do então violão Torres, com encordoamento de tripa, o mais usual naquele período. Atuando solo e em música de câmara, o intérprete, natural de Natal (RN), é conhecido por seu trabalho de pesquisa de repertório e também pela utilização de réplicas de instrumentos históricos, como também os encordoamentos e recursos utilizados em cada período estético.
Quincas Laranjeiras
Do pernambucano Quincas Laranjeiras, Max Riccio gravou, com maestria, o “Prelúdio em Ré”, “Valsa para violão” e “Dores d’Alma”. Precursor do ensino de violão por partitura e decisivo na formação dos mais importantes violonistas de sua época, Quincas Laranjeiras, ou melhor, Joaquim Francisco dos Santos, foi decisivo na formação violonística dos mais importantes violonistas da época, como Zé Cavaquinho, Levino Albano da Conceição, Gustavo Ribeiro, Donga, Antônio Rebello, dentre outros. Nascido em Olinda (PE), com um ano de idade se mudou com a família para o Rio de Janeiro, em 1874, estabelecendo-se no bairro de Laranjeiras.
João Pernambuco
Já de autoria de João Pernambuco – este natural de Jatobá – Riccio interpretou “Sons de Carrilhões”. Nascido em 1883, o compositor e violonista mudou-se para o Rio de Janeiro em 1904 e, em poucos meses, passa a morar em uma pensão em que vivem Pixinguinha e Donga - também frequentada por músicos e intelectuais, como o violonista e exímio improvisador Sátiro Bilhar e o poeta Catulo da Paixão Cearense. Torna-se rapidamente conhecido nesse círculo e a apresentar-se em residências de famílias de elite, como a casa de Rui Barbosa e Afonso Arinos. Em 1914, formou o Grupo Caxangá, com sete integrantes, entre eles Pixinguinha e Donga, lançando moda no Rio com sua caracterização sertaneja. Com os dois amigos músicos, integrou também, mais tarde, o conjunto Oito Batutas, excursionando pelo Brasil e exterior.
Agustín Barrios
O paraguaio Agustín Barrios, o terceiro músico que completa a tríade registrada na fotografia da época, é lembrado no EP com sua “Una limosna por el amor de Dios (El último trémulo)”. Também conhecido pelo apelido de Mangoré, Barrios é o mais reconhecido violonista e compositor paraguaio de música clássica. Iniciou sua carreira pelo violão, o qual tocava desde a infância, chegando a participar da Orchestra Barrios, composta por membros de sua própria família. De grande facilidade musical, alternava o violino com a flauta e a harpa, embora mais tarde tenha escolhido o violão como seu instrumento principal. A partir de 1910, aprimorou o estudo do instrumento e então passou a participar de concertos no México e Cuba, seguindo depois por toda a América Latina e pelo mundo.
Doutor em Musicologia com Mestrado em Práticas Interpretativas, o professor de violão da UFRJ e pesquisador da Biblioteca Nacional Humberto Amorim destaca que, no EP “Retrato Carioca”, todo “o cuidado musicológico se coaduna a interpretações absolutamente envolventes, criativas e fiéis ao estilo interpretativo do repertório, conferindo vida única a páginas musicais de três personagens decisivos na trajetória do instrumento no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro(...). Para o pesquisador, “o resultado é um mágico ambiente sonoro que parece nos transportar diretamente para um salão de concerto do século XIX ou décadas iniciais do XX, como se entrássemos em um túnel do tempo que nos leva ciclicamente do presente ao passado e do passado ao presente, em uma espécie de espiral eterna. Destacando o seu primor, a excelência, o virtuosismo, a musicalidade e a viagem atemporal que as gravações proporcionam, Humberto Amorim considera o EP, desde já, “um material fundamental e inescapável de nossa discografia, reafirmando a já consolidada posição de referência que, há tempos, Max Riccio ocupa no violão brasileiro”.