O cantor e compositor Leoni acaba de lançar, junto aos amigos Fabiano Calixto, Humberto Barros e Lourenço Monteiro, o projeto Hipopótamo Alado. Trata-se de um coletivo sonoro onde, segundo contam, os participantes não têm função pré-determinada nas composições e arranjos. Todos fazem tudo.
O primeiro single do coletivo, “Na esquina mais escura do mundo”, é uma leitura de mundo, “som antifascista levitando em sonoridade atmosférica, reprocessamentos, colagens, ruídos, melodia, poesia. Música eletrônica. Lança-chamas político-existencial contra o completo sucateamento da vida”.
O que dá ignição à canção é um verso de “Paisagem da janela”, de Lô Borges e Fernando Brant. Uma conversa com as esferas de outros tempos. Se no clássico do Clube da Esquina o tom é suave, de amplidão de esperança, paisagem afetuosa e utópica, aqui, reconfiguramos o diálogo, criando um tom de desolação e sonhos quebrados. Se lá há as “cores mórbidas”, os “homens sórdidos”, aqui temos os “corações devastados”, os “ladrões de vida”, o “futuro feito quase só de passado”.
A música, a criatividade, como bandeiras. O amor, o humor, o horror. A alegria. Sede de vida. Urgência. Saúde nos tempestuosos tempos de peste. Um brilho profundo na esquina mais escura do mundo.
Na esquina mais escura do mundo
da janela lateral do quarto de pensão
vejo uma igreja, máquina ilusória
muitos muros altos, seguranças de plantão
guardando a velha escória, lixo da história
mensageiro radical, de coisa radicais
quando eu falava desses corações devastados
falava dos ladrões de vida
de desistir, de não sonhar
e de um futuro feito quase só de passado
poeta marginal, querosene e explosão
a alma engatilhada de palavras
poeta furioso
disparando versos de lava
poeta canibal, coração em erupção
o peito cravejado de absurdos
como um brilho profundo na esquina mais escura do mundo
poeta sideral batizado no baião
recolhendo flores pelos cemitérios
da janela lateral do quarto de pensão
a vida sintetiza o antídoto antitédio
mensageiro tropical tropeçando em tanto dor
espalha estrelas nos jardins, explode as vidraças
no sol de quase dezembro
em grandes beijos de amor
a alegria rema contra a maré de marasmo
poeta marginal, querosene e explosão
a alma engatilhada de palavras
poeta furioso
disparando versos de lava
poeta canibal, coração em erupção
o peito cravejado de absurdos
como um brilho profundo na esquina mais escura do mundo