As trevas que tomaram conta do Brasil em 2017, quando exposições e artistas passaram a ser alvo de grupos religiosos e neofascistas, que conseguiram censurar exposições, parecem estar de volta. Na noite desta terça-feira (18), a Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou em primeiro turno um Projeto de Lei que proíbe nudez em manifestações públicas.
De autoria do presidente da Casa, Rafael Prudente (MDB), a matéria também veda expressões artísticas em exposições públicas que "atentem contra símbolos religiosos".
O projeto foi aprovado em votação apertada: foram 7 votos a favor e 6 contrários. De acordo com o texto, ficam proibidas "expressões artísticas ou culturais que contenham fotografias, textos, desenhos, pinturas, filmes ou vídeos que exponham o ato sexual e a performance com atrizes ou atores desnudos". E, no caso dos símbolos religiosos, "elementos, objetos cultuados pelas diversas matrizes religiosas que representam o sagrado e a fé de seus seguidores".
A proposta, claramente, atenta contra a liberdade artística mas, ao justificá-la, Prudente recorre a uma interpretação distorcida da Constituição Federal. "É fundamental diferenciarmos o que é uma expressão artística daquela em que o sexo explícito e as diversas formas de parafilia (pedofilia, sadomasoquismo, zoofilia, etc) são expostos, os quais se constituem em atos que ferem, que atentam contra valores arraigados da sociedade brasileira", afirma, se amparando ainda no Código Penal, que classifica como crime "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público".
O ex-secretário de Cultura do DF, Guilherme Reis, afirmou em entrevista ao Correio Braziliense que a proposta é inconstitucional. "A arte é questionadora e pode incomodar. Isso marca a história das sociedades há milênios. A Constituição garante, no rol dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º), os direitos culturais, o livre exercício dos cultos religiosos, à livre expressão da atividade intelectual, artística e científica. Deve ser respeitado o direito de qualquer brasileiro de opinar, gostar ou criticar as criações artísticas. Mas deve ser garantido o direito dos artistas de criar livremente. Se as reações implicam censura ou criminalização, são feridos os direitos culturais garantidos por tratados internacionais e pela Constituição. Portanto, o que foi aprovado na CLDF é inconstitucional e antidemocrático", explicou.
Votaram a favor da proposta os deputados Rafael Prudente (MDB), Hermeto (MDB), Iolando (PSC), Jorge Vianna (Podemos), Rodrigo Delmasso (Republicanos), Martins Machado (Republicanos) e Delegado Fernando Fernandes (Pros). Foram contra os deputados Chico Vigilante (PT), Arlete Sampaio (PT), Fábio Felix (PSOL), Júlia Lucy (Novo), Professor Reginaldo (PDT) e Leandro Grass (Rede).
O projeto, para entrar em vigor, ainda deverá ser aprovado em segundo turno e ser sancionado pelo governador.
Substitutivo
Nesta quarta-feira (19), deputados da oposição da Câmara Legislativa do DF apresentaram um texto substitutivo ao projeto de lei de Rafael Prudente que visa censurar exposições.
O texto, de autoria de Fábio Felix (PSOL), reforça os critérios já existentes de classificação indicativa para expressões artísticas e resgata o trecho da Constituição que chancela a liberdade na atividade do artista.
"O projeto é tão equivocado e conservador que coloca toda nudez como pornografia, quer dizer que a arte sacra é pornográfica? Trata-se de um aceno ao obscurantismo com o objetivo de criminalizar a arte e a produção artística já tão atacada no Brasil", afirmou o distrital do PSOL.
Trevas em 2017
Em 2017, uma onda de ataques de setores religiosos moralistas, apoiados por políticos conservadores, conseguiu censurar exposições com nudez ou símbolos religiosos em todo o país.
O estopim foi o fechamento da exposição “Queermuseu”, em Porto Alegre (RS), sob a acusação de apologia à pedofilia. Artistas e outros museus passaram, a partir de então, a ser perseguidos em todo o país. Depois da polêmica, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) começou a censurar obras com nudez ou conteúdo “erótico”.
Um dos casos mais representativos dessa "onda" foi quando o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) passou a ser atacado por conta de uma performance em que um artista fica nu e o público pode interagir com ele. O vídeo que deu início aos discursos de ódio contra o MAM, retirado de todo o contexto da apresentação, mostra crianças tocando o corpo do artista. O museu se posicionou contra os ataques moralistas e informou, por meio de nota, que a sala da performance estava sinalizada com avisos de que a apresentação continha nudez e interação com o público e que as crianças estavam acompanhadas da mãe. Mesmo assim, os ataques ao museu continuaram e e a assessora de imprensa do MAM chegou a ser atacada por um manifestante.