Após o falecimento do compositor Aldir Blanc, nesta segunda-feira (4), um texto antigo de sua autoria passou a circular nas redes sociais. Trata-se de um artigo publicado em 2012 no jornal O Globo, onde o artista celebra a Comissão da Verdade e pede justiça aos crimes da ditadura militar.
Em trecho do artigo, Blanc critica os "orangotangos" que se tornaram políticos e condena qualquer apoio ao regime militar.
"Viva a Comissão da Verdade para que nunca mais coloquem uma grávida nua sobre um tijolo, atingida por jatos d’água, com ameaça: 'Se cair vai ser pior'", começa o compositor.
"Para que um covarde que bote a boca de um homem torturado no escapamento de uma viatura militar não passe por homem de bem onde mora. Para que orangotangos que se tornaram políticos asquerosos não babem sua raiva na internet: 'Nosso erro foi torturar demais e matar de menos'", continua.
Ao fim do texto, ele cita a esperança de ver a eleição de uma presidenta "idealista" que chegue ao cargo para combater os saudosistas da ditadura.
"Para que nunca mais na vida de uma jovem idealista -o queixo firme, olhos faiscantes de revolta, com a expressão da minha Suburbana no 3X4 que guardo na carteira – seja ceifada por encapuzados. Uma delas, quem sabe?, pode chegar a Presidência da Republica e enquadrar a récua de canalhas", escreve. "Não podemos nos calar".
Confira a íntegra do artigo publicado em 2012
Não sou historiador nem sociólogo. Não consultei nenhum livro para escrever o texto abaixo. Minha memória está se movendo como estilhaços do amado caleidoscópio que perdi, menino, em Vila Isabel.
Viva a Comissão da Verdade para que nunca mais coloquem uma grávida nua sobre um tijolo, atingida por jatos d’água, com ameaça: “Se cair vai ser pior”;
Para que senhoras que fazem seu honrado trabalho não sejam despedaçadas por cartas bombas; Para que um covarde que bote a boca de um homem torturado no escapamento de uma viatura militar não passe por homem de bem onde mora;
Para que orangotangos que se tornaram políticos asquerosos não babem sua raiva na internet: “Nosso erro foi torturar demais e matar de menos”;
Para que presos em pânico não sofram ataques de jacarés açulados por antropóides;
Para que nunca mais teatros e livrarias sejam vandalizados e queimados;
Para que um estudante de psiquiatria não seja obrigado a passar por sentinelas de baioneta calada para ouvir um coronel médico dizer que “histeria é preguiça”;
Para que os brasileiros possam homenagear um autêntico herói nacional, João Cândido, com um monumento, sem que surjam energúmenos prometendo “voltar a explodir tudo se isso apontar para o Colégio Naval”;
Para que a nossa Força Aérea, que nos deu tanto orgulho na Itália, com seus valentes pilotos de caça, não atire pessoas, como se fossem sacos de lixo, no mar;
Para que um pai, ao se recusar a cumprir a ordem de manter o caixão lacrado, não se depare com o corpo destruído do filho, jogado lá dentro feito um animal;
Para que militares honrados não sintam “constrangimento” na busca de Justiça; para que cavalos ( aqueles de quatro patas, montados por outros) não pisoteiem um garoto com a camisa pegando fogo por estilhaço de bomba, na Lapa;
Para que torturadores não recebam como “prêmio” cargos em embaixada no exterior;
Para que uma estudante não desmaie num consultório médico ao falar sobre as queimaduras do pai, feitas com tocha de acetileno;
Para que esquartejadores não substituam Tiradentes por Silvério dos Reis;
Para que inúmeros Pilatos ainda trambicando naquela casa de tolerância do Planalto vejam que suas mãos continuam cheias de sangue e excremento;
Para que nunca mais na vida de uma jovem idealista - o queixo firme, olhos faiscantes de revolta, com a expressão da minha Suburbana no 3X4 que guardo na carteira – seja ceifada por encapuzados. Uma delas, quem sabe?, pode chegar a Presidência da Republica e enquadrar a récua de canalhas.
Não podemos nos calar!