Dedicado a Guilherme Boulos, o livro Diário de quarentena – 90 dias em fragmentos evocativos (editora Rocco) é o novo lançamento de Frei Betto. A obra traz reflexões e crônicas do teólogo e escritor sobre o desafio imposto pela pandemia neste 2020: o isolamento social. Ele foi entrevistado no programa Fórum Onze e Meia, exibido no canal da Revista Fórum no Youtube.
Segundo Frei Betto, a ideia surgiu no início da quarentena, quando ele teve a ideia de registrar num diário o dia a dia do período. “Essa ideia remonta à experiência que eu tive no livro Cartas da prisão, escrito quando estive preso durante quatro anos a ditadura militar e escrevi várias cartas para familiares, frades e amigos. Elas foram reunidas e, primeiramente, publicadas na Europa e, depois, no Brasil”, diz.
No início, a intenção não era que os escritos da prisão entre 1969 e 1973 fossem editados e publicados num livro, mas sim denunciar as atrocidades que ocorriam nos porões da ditadura. “Ao sair da prisão, o psicanalista Helio Pellegrino, que era muito meu amigo, disse: o que te salvou da loucura na prisão foi a redação das cartas. Tomei consciência que a redação era um exercício terapêutico.”
Neste ano, a decisão de escrever na quarentena foi conscientemente com objetivo terapêutico. “A ideia era registrar e ajudar as pessoas que estão no isolamento a refletirem sobre a doença, a conjuntura brasileira e mundial. Ao contrário de outros diários famosos, eu não sou o personagem principal.”
O livro mistura diferentes gêneros literários, como ensaios, poesia, ficção e crônica jornalística. Frei Betto, por exemplo, debate a origem do coronavírus, a morte de George Floyd e por que a nossa sociedade não se mobiliza para outros problemas mortais. “A fome continua matando muito mais, cerca de 9 milhões por ano, mas a fome faz distinção de classe, só atinge os mais pobres. A Covid, não. É um escândalo que a humanidade não se mobilize para o que atinge os nossos semelhantes por conta da desigualdade social.”
O autor traz dez dicas de como enfrentar esse período e aceitar as mudanças na rotina, estar preso em casa, o que muitos já chamam de “novo normal”, baseado em como ele suportou aqueles quatro anos de cárcere na ditadura. A meditação é uma das formas, de acordo com o teólogo, para encontrar sanidade. “É preciso manter a cabeça e o corpo no mesmo lugar. Quando vejo no noticiário o aumento no consumo de antidepressivos, muitas pessoas com problemas psicológicos em função da quarentena, penso que a pessoa não é capaz de ficar com o corpo e a cabeça no mesmo lugar, isso gera ansiedade e, depois, frustração”, explica. “Não posso ficar trancado em casa pensando que eu poderia estar em tal reunião, em tal festa, em viagens, em restaurantes. Tenho que fazer desse espaço e dessa situação o meu aqui e agora. Encarar a realidade.”
Frei Betto lembra de companheiros da prisão que para ver o tempo passar mais rápido, “o que era mera ilusão”, chegavam a dormir 18 horas por dia. “Entraram em depressão. É preciso enfrentar a situação, um bom recurso para isso é a meditação. A meditação limpa a nossa mente e não tem necessariamente algo a ver com as religiões, ela pode ou não ter. Os grandes mestres da meditação são ateus, que são os budistas. O budismo primitivo não crê em Deus. A meditação nos ensina a conter a ansiedade, todo nosso sofrimento vem da mente, as ambições, as expectativas, os desejos. Buda dizia: a dor a gente cura com remédio, o sofrimento, com meditação.”
As obras de Frei Betto estão disponíveis em www.freibetto.org.
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