Por Igor Santos, especial para a Fórum
Eram duas tarde quando liguei para João Francisco Benedan, mais conhecido como João Gordo. Conversamos um pouco sobre sua nova música, Hecatombe Genocida, em parceria com Prika Amaral (Nervosa, vocal), Moyses Kolesne (Krisiun, guitarra), Castor (Torture Squad, baixo), Iggor Cavalera (Cavalera Conspiracy e Mixhell, bateria) e Guilherme Miranda (Entombed AD e Krow, guitarra), que, junto com João, criaram o supergrupo Revolta. João Gordo falou sobre o movimento punk, a cena do Rock, o ativismo vegano e o governo Bolsonaro.
Confira agora a entrevista:
Igor Santos: João, você iniciou no movimento punk no final da ditadura empresarial-militar brasileira. Como era ser punk naquela época?
João Gordo: Olha eu comecei a curtir punk, me vestir a caráter mesmo em 1979. Mas desde 77 que meio que já estava namorando com o movimento. Eu já era roqueiro, escutava um som. Estudava em colégio de padre. Meu pai era militar, sargento de polícia. Em casa não era fácil, não era mesmo fácil mesmo, Igor. Em casa era como se fosse um quartel, meu pai me enchia de porrada, andei repetindo uns anos da escola, sétima série, era horrível cara. Era bem rígido. Nessa época, a gente não tinha muita noção do que estava acontecendo, ditadura militar, essas coisas. Criança, cara, entrando na adolescência. Comecei a ter mais noção quando comecei a estudar sobre isso. Depois fui morar no interior, meu pai viu que eu tava me entortando demais com esse negócio de punk e me mandou pro interior. Foi aí que comecei a ler e me inclinar pro movimento punk totalmente, e fui percebendo o que significava a gente viver numa ditadura – mas era o final da ditadura. Tanto que quando comecei a andar com os punk mesmo, os meninos dos Ratos de Porão, Cólera, Olho Seco (nota: bandas do início da cena punk paulista), lembro que eles mandavam música para censura e várias delas eram censuradas, saca? Nessa época, a gente andava pela cidade e era bem perigoso, por causa da polícia, eles podiam prender por vadiagem, pelo fato de você não estar andando com documento, você tinha que ter os seus afazeres que justificasse a razão de você estar andando na rua. A repressão era terrível. A gente tinha pouca noção de anarquia ou qualquer informação, não tinha internet e livros só os que o governo permitia. Censura né, bicho?
Igor Santos: Como você vê atualmente algumas figuras do rock com posturas reacionárias e conservadoras?
João Gordo: Esse pessoal do rock, principalmente do punk, que tem postura conservadora, cara... É que a gente pensava praticamente igual naquela época. Hoje, consigo ver que no meio da gente mesmo tinha muita homofobia, só não tinha racismo explícito, mas tinha homofobia pra caramba. As pessoas eram fascistas sem saber, saca? Muito disso por causa da ignorância. A minha cabeça começou a abrir mesmo quando eu comecei a viajar pra Europa em turnê com o Ratos. E aí, comecei a ver como era o movimento punk lá na Holanda, Alemanha. Daí minha cabeça foi abrindo e fui deixando de lado esses preconceitos de berço, como a gente costuma falar. Aquele preconceito que vem com o que você aprendeu em casa. Mas esse pessoal que continua assim é o pessoal que ficou aqui, com o mesmo pensamento reacionário de quando a gente era punk em 1982, saca? Conheço vários deles, tem caras aí, grandões, que você pega a letra do cara nas músicas e você vê que já tem reflexos de xenofobia por exemplo. Daí, o cara abriu a boca pra falar a mesma merda das letras de 1982. Não leu, não estudou, ficou a mesma cabeça, igual a vida inteira. E metaleiro fascista então… Que metaleiro não se interessa por política, se você pega as letras aí de metal, é tudo espada ferro, fogo. E aí, os caras ficam tapados nisso, negando a política.
Forum: Você está lançando a música Hecatombe Genocida, com versos contundentes de crítica ao atual governo, como você lê o governo Bolsonaro?
João Gordo: Quando os caras me chamaram para esse projeto, não tinham noção que eu viria com uma letra assim tão bombástica. Mas é uma letra assim do Ratos de Porão, com a alma que eu sempre fiz, criticando o governo vigente, desde que entrei no Ratos em 83. Tenho várias letras assim, bem explícitas. Essa é a primeira que dá coice e vagabundo dá cambalhota e pede meu pescoço. Na real que isso aconteceu várias vezes, já (risos). Os roqueiros fascistas de plantão surtaram. Eu vejo o governo, cara, como um governo fascista, tá ligado? Onde a mentira reina, estamos na era suja da mentira, quando misturam religião com política num retrocesso monstruoso. Mas não é só aqui, você vê nos Estados Unidos, em alguns países da Europa, vários países aqui do nosso continente estão nessa onda fascista. Os caras são abertamente nazistas, abertamente racistas, abertamente homofóbicos e tudo isso “em nome de Jesus”. Eu vejo isso como um retrocesso monstro, terrível, e que vai demorar muito tempo para recuperar o que era antes. E com esse lance de internet, essa onda de algoritmo que impulsiona ódio, treta, tende a piorar ainda mais, cada vez com ares de seita, saca?
Igor Santos: A cena punk é muito forte no exterior, não é raro tanto você quanto os Ratos de Porão serem citados como referência por muitos músicos. Como seus amigos estrangeiros veem esse cenário em que o Brasil se meteu?
João Gordo: Não tenho falado tanto com meus amigos gringos, faz um tempo que não vou lá pra Europa. A última vez que fui, foi no ano retrasado, foi acho que 2017, 2018 algo assim, não lembro agora, Igor. Mas o Brasil sempre teve essa parada caricata, né? Os caras sempre questionaram e agora ainda mais, saca? Mas troco poucas ideias com o pessoal sobre isso via internet. Mas dá pra sacar que qualquer pessoa que viva em um país democrático fica horrorizado com o que anda rolando. Agora, eles realmente não sabem o que acontece direito. Lógico que chega isso das queimadas, ascensão da extrema direita, mas a fundo eles não fazem ideia do quanto o buraco é mais embaixo.
Igor Santos: João, você é um ativista do veganismo. Pesquisas dizem que o veganismo será provavelmente a dieta do futuro. Hoje o Brasil vive uma crise econômica sem precedentes, desemprego alcançando quase 14% da população e a alta dos alimentos pressagiam um período de fome no Brasil nunca visto na história. Quando você observa comparações entre o arroz orgânico do MST e o arroz produzido pelo agronegócio, qual a impressão que fica?
João Gordo: Quando ando na rua, vejo o aumento de população de rua terrível, uns 70% do que eu via antes. Isso já está chegando na mesa do trabalhador, pois o arroz do agronegócio é produzido só para exportação e não para alimentar o próprio povo. O MST hoje é um dos maiores produtores de arroz orgânico do mundo, podem deixar o preço do arroz baixo, só que isso não interessa pro agronegócio e muito menos pro governo. Tanto é assim que eles (governo) demonizam o MST, falam que são bandidos, ladrões, roubam terra. Até o povo mais pobre de São Paulo cara, até esse galera, age como se tivesse uma fazenda, fosse um fazendeiro que teria as terras ocupadas pelo MST, caso deixassem. Sendo que o cara que reproduz esse discurso vive em casa alugada e tá passando aperreio pra por comida na mesa graças ao agronegócio.
Igor Santos: João, você acredita que exista esperança de vencermos esse período? Como você enxerga o futuro?
João Gordo: Eu acredito que tudo é cíclico. Como Hitler passou, Mussolini foi pendurado de cabeça para baixo, todos os déspotas caíram no final das contas. O bem triunfará sobre essa época quando é moda ser perverso, quando é moda ser FDP, é moda ser racista e tudo que não presta. Todos os pilantras estão aí. Nem todos os que votaram Bolsonaro são pilantras, mas já ficou óbvio que todo pilantra é bolsonarista. Basta ver o perfil do pessoal que apoia Bolsonaro, a grande maioria falido, só fez merda na vida, altas falcatruas, hipócritas pra caramba, cheios de moral e completamente imorais. E eu acredito que isso passa, isso vai passar! Ainda temos que passar por 2045 que é 100 anos da 2ª Guerra Mundial, e que vai dar o que falar ainda, 2035 que serão os 100 de 3° Reich e vai que vai. Eles vão passar, mas precisamos resistir. Manter a guarda fechada mano!
Igor Santos: Você e alguns artistas e ativistas veganos desenvolvem um trabalho voluntário de distribuição de marmitas veganas para população em situação de rua ou fragilidade social. Pode nos falar mais sobre isso e como nossos leitores podem ajudar?
João Gordo: Entramos em um turbilhão sem volta. Fazendo o que o governo de São Paulo e do Brasil, não fazem. O que eles fazem é para reprimir, fazer o rapa no morador de rua, pegar cobertor, comida, documento, jogar tudo no lixo, quando tá frio jogar água em cima. Tomar as barracas. O negócio tá osso, cara! Então a gente está fazendo a nossa parte, que é o que nos resta fazer. Minha esposa está a mil por hora nessa parada do Solidariedade Vegan, já servimos mais de 29 mil marmitas nesses meses de pandemia e a gente já não consegue mais voltar para trás. Fechamos nosso restaurante, nosso restaurante virou uma sala de donativos gigantesca, cheia de cobertor, embalagens, um monte de doações. Ganhamos dinheiro com merchandising que a gente vende pelo correio e vai sobrevivendo desse jeito cara, também com delivery do Central Panelaço. Mas temos o compromisso de não deixar mais essa galera da rua desamparada. E para o pessoal que quer ajudar, é só entrar nesses endereços da imagem e virem conversar com a gente.