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Glauber Rocha não pousará no aeroporto que leva seu nome. Ao menos por enquanto. Ao menos enquanto o prefeito da cidade onde nasceu e passou parte da infância for Herzem Gusmão (MDB), o aliado do presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) que mandou, por pura mesquinharia, arrancar o outdoor de divulgação da inauguração da obra, realizada pelo governo do estado em parceria com o governo federal.
[caption id="attachment_181188" align="alignnone" width="424"] Caminhão retira outdoor em Vitória da Conquista (Reprodução)[/caption]
Glauber jamais pousará de volta em seu primeiro solo enquanto a burrice e a avareza sondarem o local. Enquanto um presidente descontrolado e preconceituoso estiver por lá, acuado entre tapumes para que não carregue de volta pra casa o eco das vaias retumbantes dos conterrâneos do cineasta.
Nem nas mais delirantes alegorias de Glauber ao retratar a chacina de Canudos em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, tampouco nas idas e vindas da política na fictícia República de Eldorado, de “Terra em Transe”, Glauber poderia supor tamanha demência, enorme avareza.
[caption id="attachment_170284" align="alignnone" width="414"] Terra em Transe, de Glauber Rocha. Foto: Divulgação[/caption]
Ninguém, absolutamente ninguém da parte de Glauber, desde a sua filha Paloma até o governador da Bahia, Rui Costa (PT), nem os vereadores da brava cidadela encravada entre a caatinga e a zona da mata pousarão no local. Ao menos por ora.
O voo de Glauber é muito mais alto e altaneiro. Seu nome carrega um outro país, orgulhoso de si. Um Brasil irrequieto e transformador que, por este breve e triste momento da sua turbulenta história, se desconhece.
Glauber Rocha poderia, neste exato instante, quase 40 anos depois da sua morte, pousar em qualquer parte do planeta. A comissão de frente de sua obra, com seus parangolés, orixás, bachianas e violeiros, o receberia em festa mundo afora.
Qualquer lugar, menos o Brasil de Bolsonaro. O Brasil da demência desmedida. O país mesquinho e avaro que se desconhece e se divorcia de suas obras maiores através de um presidente que, acaso tomasse conhecimento delas, teria horror em tocá-las.
Nada mais irônico do que imaginar o mandatário da meia dúzia de verbos, piadas tolas e mamadeiras de piroca diante de cinco minutos do “Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”. O tempo de Glauber, ícone da primeira metade do século passado, já incendiava o presente e rasgava o futuro, enquanto o Brasil de Bolsonaro nos devolve ao pré-iluminismo escravocrata.
Mas não há de ser nada. O branco e preto fulgurante do solo dos sertões sonhado por Glauber nas lentes de Waldemar Lima já sobrevoou décadas a atropelar a história e seus déspotas. Os imbecis, mais uma vez e sempre, serão varridos do solo agreste do nosso tempo.
Neste dia, pousaremos de mãos dadas com Glauber na pista iluminada de seu aeroporto brilhante.
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