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CULTURA
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O futebol sempre foi um manancial de personagens de todos os tipos e, por isso mesmo, acaba produzindo histórias curiosas. Emerson Leão é uma dessas figuras. Polêmico, goleiro de raro talento, atuou em diversos clubes, defendeu a seleção brasileira em 105 partidas e disputou quatro Copas do Mundo.
Ao parar de jogar, obteve o mesmo sucesso como treinador, além de arriscar algumas participações como comentarista esportivo na TV. Seu temperamento forte, arrogante às vezes, era proporcional ao talento embaixo das traves.
Para quem não conhece ou lembra, o Notícias Populares (NP) era um jornal que pertencia ao Grupo Folha e fez muito sucesso entre os anos de 1963 e 2001, quando fechou. É considerado até hoje “sinônimo de crime, sexo e violência”. Diziam à época que era o jornal que “se espremesse saía sangue”.
Considerado o “primo pobre” da empresa, primava pelas pautas prosaicas e apostava, cada vez mais, no exagero das manchetes e nos conteúdos de cunho policial e sexual.
Feitas as apresentações, vou relembrar uma situação que me ligou ao jornal e ao personagem em questão.
No início da década de 90 (1990 e 1991, para ser mais preciso), trabalhei na editoria de Esportes do Notícias Populares a convite de um amigo. Fui setorista do Palmeiras, São Paulo e Portuguesa, que até então disputava a primeira divisão do futebol paulista.
O treinador da Lusa era Emerson Leão, o que, devo admitir, não facilitava as coisas para os repórteres. Pois bem. Certo dia recebi uma pauta, típica do NP, que se mostrou, desde o anúncio, um grande desafio.
O editor de Esportes me chamou em um canto e disse, quase sussurrando: “Descobri que o Leão fez vasectomia”. Eu respondi: “E daí?”. Aparentemente contrariado com minha reação pouco animada, respondeu: “Vai lá e faz uma matéria com ele sobre isso”.
Fiz alguns questionamentos para mim mesmo: “O que isso interessava ao leitor?”, “Como tratar desse assunto com ele?”, que sempre foi um cara reservado e nunca abordava assuntos pessoais nas entrevistas.
Bom, não me restava nada a não ser pensar em uma estratégia. Liguei para ele, marquei uma entrevista em sua sala no Canindé (estádio da Portuguesa) e busquei forças para me jogar na cova dos leões. No caso, do Leão.
Frio, mas educado.
Ao chegar, ele me recebeu friamente, porém, com educação. Entramos em sua sala e comecei a entrevista.
Falamos sobre a Portuguesa, as chances do time no campeonato, os principais jogadores, sobre seus maiores adversários, seleção brasileira, sua expectativa quanto ao desempenho do time (a Copa de 1990 estava próxima). Enfim, chegou um momento em que não tinha mais nada para perguntar sobre futebol.
Foi quando pensei: “É agora que vou entrar em outros assuntos”. Com muito tato, disse: “Leão, você é uma figura pública importante e, por isso, os leitores gostariam de saber sua opinião a respeito de outros temas, que não seja futebol”.
Curiosamente, a reação dele foi positiva, para meu alívio. Senti que estava ganhando sua confiança. Fiz perguntas sobre política, cultura, meio ambiente, enfim, poucas vezes vi Leão tão à vontade.
Foi quando chegou o momento. Eu tinha que perguntar. Então, arrisquei: “Bom, Leão. Esse é um tema controverso para os homens e gostaria de saber sua opinião. Você se submeteu à vasectomia?”.
Imediatamente o elo que nos unia foi quebrado. Seu semblante mudou e ele, que parecia à vontade com a entrevista, se fechou e respondeu de forma monossilábica: “Sim”.
Senti o clima e achei melhor encerrar a entrevista. Agradeci e voltei à redação. Na hora de escrever a matéria, fiz o que no jornalismo se chama “lead misto”, ou seja, tentei abrir o texto abordando várias revelações feitas por ele, entre elas, a tal história da vasectomia.
Terminei a matéria e fui para casa, de certa forma tranquilo por ter cumprido a missão.
O dia seguinte
No dia seguinte, ao chegar à redação, fui surpreendido quando vi a primeira página do jornal. Ao lado de uma foto em três colunas do meu entrevistado, a manchete: “Senta que o Leão é manso”.
Fui reclamar com o editor, alegando que a manchete não tinha nada a ver com a vasectomia. A conotação que deram na manchete era inadequada. Não importava, era o estilo NP.
Pedi imediatamente para deixar de acompanhar o dia a dia da Portuguesa, porque não sei qual seria a reação de Leão na próxima vez que me encontrasse. Fui atendido e passei a acompanhar o São Paulo.
Mesmo assim, passei alguns dias preocupado e cheguei a sonhar uma noite com Leão invadindo a redação do NP para tirar satisfações comigo. Felizmente, não aconteceu.