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A Revolução Mexicana, de 1910 a 1920, foi a o primeiro grande movimento social da América Latina, no século XX, contra um Estado oligárquico avançado e ate hoje mantém marcas não só nas disputas políticas do país, como também nas suas marcas culturais.
Com um regime regido pela mesma égide positivista de Augusto Comte - Ordem e Progresso - fincada na bandeira brasileira e inspirado no darwinismo social de Herbert Spencer, uma oligarquia financeira, política e exportadora comandou integralmente o México, principalmente a partir de 1882.
O regime, que exercia um mecanismo de exploração muito mais violento que o realizado pela fazenda no período colonial, interferia também nos usos e costumes dos indígenas e dos camponeses para acelerar o processo de acumulação.
A entrada do capital externo, através da construção de ferrovias, telégrafos e dos correios, que escoavam a riqueza do país para o exterior, integraram a economia mexicana aos EUA, subordinando-a àquela.
Houve, então, um progresso econômico nunca antes visto, que fez do ditador Porfírio Diaz o “homem necessário”, isto é, o construtor de um México moderno, “o herói não só da paz, mas também do progresso”. No entanto, a oligarquia não havia se dado conta que os trilhos por onde escoavam seus produtos, carregavam em si as suas terríveis contradições, desigualdades, expropriações e, com isto, traziam de volta os camponeses armados de Zapata e Villa.
[caption id="attachment_136110" align="alignnone" width="531"] Pancho Villa e Emiliano Zapata em 1914[/caption]
O trecho acima foi inspirado no relato completo da Revolução Mexicana, que pode ser lido em detalhes no trabalho do historiador Waldir José Rampinelli, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, em seu artigo “Revolução Mexicana: seu alcance regional, precursores, a luta de classes e a relação com os povos originários”.
Rampinelli, em um saboroso episódio, dá um salto no tempo e nos lembra ainda ao tratar dos dois líderes revolucionários que, enquanto as estátuas de Zapata proliferaram pelo sul pobre do México, as de Villa sofreram todo tipo de resistência no norte desenvolvido, aquele próximo à fronteira americana e ao muro sonhado por Trump. Durante a inauguração de uma delas, em sua terra natal, Chihuahua (1956), o escultor, por ordem do governador, mudou o bigode e a testa. Tendo o seu nome omitido durante a inauguração e tratado apenas como “combatente da Divisão do Norte”, o povo que assistia reagiu aos gritos: “Viva Villa, cabrones!”.
Os Muralistas
O legado mais imediato à Revolução Mexicana se deu de maneira explosiva e espontânea em suas paredes e muros e ganhou o mundo. Uma arte engajada, cujo objetivo era chegar a todas as pessoas, sobretudo à população pouco alfabetizada do México. O muralismo se desenvolveu de maneira definitiva durante as décadas de 1920 e 1930, resgatando a cultura indígena, com influências da arte pré-colombiana das civilizações Maia, Asteca e Inca e misturando tudo isso à arte moderna.
[caption id="attachment_136104" align="alignnone" width="484"] Mural de David Siqueiros[/caption]
Os grandes prédios públicos eram as telas principais dessa nova modalidade artística, que deveria chegar a todos sem discriminação. Os três principais representantes da nova técnica eram Clemente Orozco (1883-1949), David Siqueiros (1896-1974) e Diego Rivera (1886-1957).
Os temas principais de suas obras, com profundas raízes indigenistas e carregadas de religiosidade, eram as desigualdades sociais, a exploração dos camponeses, a miséria, a luta contra o imperialismo ianque e o arbítrio.
[caption id="attachment_136108" align="alignnone" width="486"] José Clemente Orozco[/caption]
Diego Rivera
Entre os muralistas, é impossível não destacar a importância, tanto da obra quanto da atuação política e social, de Diego Rivera. Um dos fundadores do Partido Comunista Mexicano, casado com a sua antiga modelo e também artista plástica, Frida Kahlo, Rivera, muito mais do que um artista, é um dos grandes personagens da história do México. Prenhe de ideias e ações, tanto nos costumes quanto na política e nas artes, parece saído de um romance de realismo mágico.
[caption id="attachment_136105" align="alignnone" width="527"] Mural de Rivera no Palácio del Gobierno[/caption]
A sua casa, na Cidade do México, abrigava e hospedava viajantes, artistas, refugiados, entre eles o mitológico líder e dissidente da revolução bolchevique, Leon Trotski, com quem Frida teria tido um caso. Os dois, segundo consta, tinham vários casos extraconjugais.
Leonardo Padura
O conhecido episódio da passagem de Trotski pelo México, as brigas com Rivera e o seu posterior assassinato, em 1940, é narrado em detalhes no livro do cubano Leonardo Padura, “O Homem que Amava os Cachorros”.
O livro dá conta, inclusive, da importância central que tinham os artistas mexicanos para os movimentos políticos e culturais mundo afora. Foi na casa de Rivera, por exemplo, que o poeta surrealista francês André Breton escreveu, junto com Trotski, o “Manifesto Mexicano”. O documento é visto por muitos como definitivo sobre a relação entre política estética e política revolucionária sob a ótica marxista.
[caption id="attachment_136103" align="alignnone" width="496"] Detalhe do mural "O Homem no Controle do Universo", de Diego Rivera[/caption]
Um episódio no mínimo curioso que envolve Diego Rivera foi o seu convite para pintar um mural, em 1933, no “Rockfeller Center de Nova Iorque”. Rivera usou o tema "O Homem no Controle o Universo", e fez uma alegoria com a figura de Lenin em um lugar de destaque, o que provocou uma grande polêmica na imprensa americana. Como o artista se recusou a apagar, a obra acabou destruída.
Pintar a revolução
O escritor e jornalista de esquerda português radicado nos EUA, John dos Passos, publicou, em 12 de março de 1937, o artigo “pintar a revolução!” na revista New Masses. Nele, o jornalista expressa o espanto que provocou nele a obra de Diego Rivera e outros muralistas. Aquele painéis enormes expostos nas ruas, em prédios públicos e universidades assumiam, aos olhos do jornalista, uma visão épica, que transformavam os artistas de seu país em "uma acumulação horrível de migalhas da mesa dos ricos. Algumas vezes, um trabalho talentoso aparece, mas o que é bom, quem vê isso? Um monte de velhas e velhos que tagarelam em uma exposição", fulminou.
Discussões estéticas à parte é impossível imaginar o México contemporâneo sem Rivera e os muralistas, a sua propositura de cores explosivas e o resgate das manifestações ancestrais de seu povo. Um sem fim de histórias recontadas e eternizadas que insistem das suas paredes, sob o pêndulo da história, na urgente necessidade de seguir em frente sem deixar de mirar o passado. Tanto o construído por sua gente quanto o destruído por seus caudilhos.