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Assistir ao filme ‘O Processo’, de Maria Augusta Ramos, é como rever um pesadelo. Um pesadelo, no entanto, que é revisto e contado em detalhes, alguns deles que, no calor dos acontecimentos, talvez possam ter escapado. Ao final, o espectador, exausto de tantos pormenores e, sobretudo, tensão política, ganha uma grande clareza e enorme dimensão do processo que resultou com a destituição de Dilma Rousseff da presidência, o consequente governo Temer, chegando, ao menos nos letreiros finais, à prisão de Lula.
O filme, que não tem trilha sonora, narradores e truques espetaculares normalmente construídos para induzir o espectador para este ou aquele lado, se pretende imparcial e começa com a histórica votação na câmara, que abre o processo de impeachment e afasta a presidenta Dilma por 180 dias. Naquele momento, em que deputados se perfilaram em discursos dedicados às famílias, a Deus e até ao torturador Brilhante Ustra, por Jair Bolsonaro, era dado como favas contadas o desfecho.
A narrativa do documentário, portanto, a despeito do espectador saber do resultado, parte de um pressuposto irreversível. Dilma não voltaria mais à presidência.
E é com esse travo de desesperança que o espetador acompanha fatos, discussões, reuniões, entrevistas, brigas, telefonemas e várias situações inusitadas de, principalmente, três personagens centrais: o advogado de defesa de Dilma, José Eduardo Cardozo; a senadora Gleisi Hoffmann e a advogada e coautora do processo de impeachment, Janaina Paschoal.
Com uma narrativa que lembra bastante o documentário “Let It Be”, de Michael Lindsay-Hogg, com os Beatles, a câmera parece acompanhar os personagens de maneira insistente e sistemática até ser quase que totalmente esquecida por eles. E então, feito uma mosquinha, consegue captar conversas tensas, telefonemas inadvertidos e, com isso, dá ao espectador a melhor visão possível dos bastidores deste que talvez tenha sido o maior fato político da história do Brasil desde o impeachment anterior, de Fernando Collor de Mello, em 1992.
Uma dúvida nos assalta enquanto espectadores a todo o momento e nos acompanha através da porta de saída. O desfiar de detalhes, o festival de embustes revelado pelo desenrolar dos fatos, a completa falta de senso de ridículo e excesso emocional de Janaina Paschoal, as falas de Aécio Neves entre outras bizarrices nos levam a perguntar se o filme tem lado. Nos levam a querer saber, de fato, se a narrativa de Maria Augusta Ramos é tendenciosa ou se apenas cumpre o seu papel: o de revelar ao espectador o que foi aquilo tudo, ou seja, uma enorme farsa.
A história, ao contrário da norma, parece desta vez dar inadvertidamente razão à versão dos perdedores, ao contar um processo que hoje parece envergonhar os seus principais agentes e realizadores. Ao final, depois de pouco mais de duas horas de uma longa maratona emocional, onde o jogo jogado já estava cinicamente perdido, sobe sobre a tela, diante da polícia que avança para cima de manifestantes na Esplanada dos Ministérios, uma espessa fumaça escura que nos turva a visão.
Uma fumaça que escurece tudo completamente, enquanto os letreiros anunciam os próximos fatos dos anos seguintes: Temer e Aécio pilhados em gravações comprometedoras com Joesley Batista e o ex-presidente Lula preso.