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Para assistir ao filme “O Paradoxo”, dirigido por Daryl Hanna, estrelado e escrito pelo cantor e compositor Neil Young e que estreou na Netflix no final de março, são necessários alguns requisitos básicos. O principal deles é ter alguma familiaridade com a música e a trajetória do velho hippie canadense. Posto isto, é preciso também de alguma familiaridade com aquele universo pop, e não só a música, mas também o jeito de pensar, filmar e, sobretudo, ser um tanto onírico, non sense e movido a cânhamo dos protagonistas. Não for assim, e o mais provável é que, ao se deparar com as imagens, diálogos e sons do filme, o espectador desista, esbraveje e durma.
Por outro lado, e agora é um fã confesso e perseguidor das obras de Neil Young quem diz, há algo ali de eletrizante, lindo, inovador e até mesmo deslumbrante nas cenas e diálogos aparentemente sem sentido e sem rumo do filme.
Os protagonistas são um bando de vagabundos de um rancho imaginário em um tempo indefinido do velho oeste. Os primeiros momentos se passam com imagens de lugares muito bonitos mostrados com um enfoque incomum que se movimentam num tempo desconectado de tudo o que nos habituamos, tanto no cinema quanto na vida real.
Sentado num canto, incomunicável, fica o personagem principal, o “The Man in the Black Hat” (O homem com o chapéu preto), interpretado por Neil. Sempre com um violão folk de aço nas mãos, o cantor desfia quase todo o tempo, com o som direto, alguns de seus famosos e inconfundíveis riffs. Quando não é ele tocando ao vivo para o espectador, seus solos de guitarra explodem em off, em forma de trilha sonora.
Os diálogos e cenas são impagáveis e, ao mesmo tempo em que parecem repetitivos, se renovam em cenas inusitadas, como os dois cowboys que sempre defecam juntos enquanto divagam sobre a vida. O mais intrigante em quase toda a parte inicial é que, apesar de não haver tensão de fato, todo o resto sugere algo que parece pronto a explodir a qualquer momento.
É a partir do primeiro terço que o filme começa a ganhar ares de fábula. Neil e seus companheiros se movimentam até uma lona de circo totalmente branca onde há um palco armado. Nele, os personagens se descobrem músicos e começam a se preparar para a apresentação. Os que ficam de fora do palco são aconselhados a se amarrar com força. Assim que o show começa, todos os que estão amarrados flutuam feito balões, como que impulsionados por um poder mágico vindo da música.
Um desfilar de canções fabulosas, tomadas majestosas com cores imprecisas, cenários e sobreposições improváveis conduzem – ou tentam conduzir – o espectador a um sonho que se ele não embarca, o melhor que tem a fazer mesmo é abandonar o filme. Daí pra frente, a fábula propriamente dita toma conta totalmente do filme e nos conduz para situações cada vez mais inusitadas.
[caption id="attachment_129609" align="alignnone" width="404"] Micah e Lukas Nelson em cena de Paradoxo. Foto: Divulgação[/caption]
Neil se revela um ladrão de banco – o Banco de Sementes – e, com seu comparsa, um hilário Willie Nelson, roubam sacos de sementes. Aqui é bom lembrar que dois dos mais destacados e talentosos músicos da banda de Neil, Micah e Lukas Nelson, são filhos de Willie.
A mercadoria é entregue a um ônibus que surge logo mais à frente – o ‘Running to the Silver Eagle’ – repleto de mulheres de todas as idades, que descem armadas, distribuem alimentos saudáveis, em sua maioria legumes e verduras, enquanto uma das crianças vai até “The Man in the Black Hat” e pega o saco de sementes. O simbolismo ai, das renovadoras da vida, desaparece rapidamente, enquanto os homens voltam a ficar isolados, quase como um castigo, que começa a se repetir.
Tudo é acompanhado por canções maravilhosas, que estão no álbum “Paradox – (Original Music from The Film)”. Não bastasse, o filme terá valido por isto.
Mas talvez o leitor encontre mais, muito mais. Vale ver.