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O cantor e compositor Chico Buarque cismou – e com razão – desde sempre com a canção “Sem Compromisso”, de Geraldo Pereira e Nélson Trigueiro, sucesso de 1954. O antigo samba resmunga da parceira que só dança com outro, a ponto de enfurecer o então compositor, que fica num canto, rejeitado, se sentindo um “Pai-João”:
Você só dança com ele
E diz que é sem compromisso
É bom acabar com isso
Não sou nenhum pai-joão
Chico entrou na brincadeira, a ponto de respondê-la, em “Deixe a Menina”, do seu álbum “Vida”, de 1980. Desta vez o interlocutor sugere ao chato pra deixar a “menina sambar em paz”. O personagem feminino na canção de Chico, pra variar, cresce e vira a heroína dos salões que, com a sua incandescência ilumina tudo e faz o mundo girar à sua volta.
Por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz
E atrás dessa mulher mil homens, sempre tão gentis
Por isso para o seu bem
Ou tire ela da cabeça ou mereça a moça que você tem
Os dois sambas juntos num pout-pourri fizeram parte do show e disco de Chico “Carioca ao Vivo”:
Chico, no entanto, não descansou da ideia. Talvez por considerar absolutamente arrasadora a sua própria resposta ao samba de Geraldo, resolveu, de certa forma, ressuscitar o compositor e emprestar-lhe o samba – com a devida parceria de Ivan Lins – “Sou Eu”, como sinal de afeto e dignidade.
Para não haver dúvidas da saída honrosa do personagem masculino, Chico e Ivan entregaram o samba inédito para o bonitão das paradas Diogo Nogueira, que Chico conhece desde guri correndo atrás do pai João Nogueira no campo do Polytheama.
O resultado é, mais uma vez, genial e sugere que, daqui a alguns anos ou meses, torçamos todos, venha mais uma tréplica à pendenga:
Porém depois
Que essa mulher espalha
Seu fogo de palha
No salão
Pra quem que ela arrasta a asa
Quem vai lhe apagar a brasa
Quem é que carrega a moça
Pra casa
Sou eu
Só quem sabe dela sou eu
Quem dá o baralho sou eu
Quem dança com ela sou eu
Quem leva este samba sou eu
Posto isto, sambas pra lá e pra cá, é sempre bom reparar que desta vez Chico apazigua as coisas. Continua com a mesma mulher fogosa, iluminada e desejada por todos, surgida desta vez de um tempo onde elas se tornaram, final e definitivamente, ingovernáveis. E, para não haver dúvidas, volta ao baile com um parceiro resignado, que se contenta em avisar ao mundo que, ao menos, quem leva ela pra casa “Sou eu”.
Ou seja, ele.