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Em um primeiro momento, o ouvinte incauto acha estranho. Os sambas de Geraldo Pereira são velhos conhecidos e a cantora Anaí Rosa não poupou ousadia ao interpretá-los em “Anaí Rosa Atraca Geraldo Pereira”. Mas vamos por partes que, ao vencer as diferenças, o ouvinte ganha de presente um belo, ousado e inusitado álbum.
Anaí é uma cantora paulista, com formação erudita. Estudou viola de arco e violino na Unicamp e, desde a década de 90, quando se mudou para a capital, se firmou como cantora em grupos de músicas de salão para dançar, como gafieira, forró e ritmos latinos.
[caption id="attachment_146246" align="alignnone" width="358"] Anaí Rosa. Foto: Facebook[/caption]
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Em contraste com a sua formação, Geraldo Pereira é o malandro sambista das ruas e dos morros por excelência. Mesmo sem nenhuma formação musical, conseguiu inovar a música brasileira, com sambas marcados por surpresas melódicas e harmônicas, letras luminosas, prosaicas e, sobretudo, uma rítmica torta, meio quebrada, sincopada. Um prenúncio da bossa nova, que acabou sendo realizada por completo pelos garotos do asfalto.
Juntar um e outra, em um primeiro momento, não parece tarefa das mais plausíveis, sobretudo por se tratar de uma obra regravada inúmeras vezes pelos mais diversos artistas. E é exatamente aí que entra a ousadia de Anaí Rosa.
A cantora reinventou Geraldo Pereira. Tudo no álbum passa longe da maneira como nos acostumamos a ouvir o compositor. Ao mesmo tempo, e dando tempo ao tempo, nos pegamos bem próximos, ao perceber que a modernidade de um e outro se encaixam perfeitamente.
Sambas como “Que samba bom”, “Falsa Baiana”, “Cabritada Mal Sucedida”, “Você está sumindo”, que já foi regravada e bem transformada por Itamar Assumpção, entre outras ganharam a produção de Guto Ruocco e a direção musical de Cacá Machado e Gilberto Monte, os responsáveis pela forma musical moderna do álbum.
O canto de Anaí se sobressai entre ecos e a participação afetiva de Nelson Sargento, logo de saída, com a introdução de “Que samba bom”. As vozes se sobrepõem em meio a efeitos, guitarras ponteadas. O samba é insinuado por instrumentos elétricos e eletrônicos, frases curtas, bateria e o Brazilian Bass.
O canto deságua em “Falsa Baiana” e um quase Geraldo Pereira começa a aparecer para o ouvinte. Anaí tem um grande senso rítmico e passeia entre a inusitada e bem acentuada sequência de instrumentos repleta de silêncios, que fazem questão de nunca invadir de todo a base da canção.
Cada faixa traz uma surpresa, um requinte, uma forma diferente de entender e executar as canções. O trombone de Raul de Souza abre a cama ao lado do contrabaixo e efeitos para “Chegou a bonitona”. Tudo segue de mansinho, sem estardalhaço e, ao contrário do que diz a letra, sem flauta, cavaquinho ou violão. Mas a intenção do samba permanece intacta.
O álbum “Anaí Rosa Atraca Geraldo Pereira” nos deixa no meio do caminho entre os grandes sambas de Geraldo, que já prenunciavam a modernidade, e o contemporâneo propriamente dito que se esparramava sem medo na vanguarda paulistana da década de 80.
Anaí consegue uma absoluta originalidade entre as duas fronteiras que, graças a ela, a gente percebe que não são tão distantes assim.
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