Escrito en
CULTURA
el
Após tocar para cerca de 200 mil pessoas em várias cidades do Brasil e duas de Portugal, entre dezembro de 2017 e setembro deste ano, Chico Buarque finalmente lança o CD/DVD “Caravanas ao Vivo”.
Nele, está o espetáculo completo e na ordem em que foi apresentado, no frigir dos ovos de uma grande transformação política e social pelo qual passava o Brasil, entre o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a eleição de Jair Bolsonaro.
O cantor, compositor e cidadão Chico Buarque, mesmo que não tenha feito em momento algum do espetáculo nenhuma espécie de proselitismo político, é reconhecido por suas posições de esquerda, sua amizade com Lula e a simpatia ao PT. Por conta dessas e outras, seu público, quase que de maneira unânime, se confunde e se manifesta durante seus shows ao sabor das contrariedades e transformações.
Nada fica muito claro ao longo do álbum duplo, mas a tensão parece presente quase que todo o tempo. As testemunhas do espetáculo afirmam que vários coros de “Fora Temer”, “Ele Não” e “Lula Livre foram entoados durante o espetáculo.
Verdade ou mentira, o bom mesmo é que a música de Chico, tanto as mais antigas quanto as recentes, sobretudo a obra-prima que dá nome ao espetáculo “As Caravanas”, se mostram capazes de sobreviver a qualquer tempo, intempérie e fato de ocasião.
A obra de Chico é perene, patrimônio cultural do Brasil desde os primórdios da década de 60, ultrapassando vários momentos e se fixando em um mosaico, onde explodem cores melódicas, harmonias complexas e poesia refinada. Desta vez, o compositor se fiou em um repertório seu mais contemporâneo, onde aqueles grandes sucessos do Chico menino prodígio, como “Roda Viva”, “Olê, Olá”, “A Banda” entre outras desapareceram completamente para dar lugar à canções do álbum novo e algumas outras das décadas de 70 pra cá.
As únicas que escaparam dos primórdios foram “Retrato em Branco e Preto” e “Sábia”, as duas em parceria com Tom Jobim que, segundo o próprio Chico, são letras suas em melodias que ele gostaria de ter feito. Um gesto sutil do compositor que parece mesmo completamente voltado para o artesão de canções maduro e rebuscado que veio a se tornar.
No mais, também não falta balanço, alegria e comoção nas inúmeras fases que ele percorre no espetáculo ao longo da carreira. Tendo como ponto de partida e de chegada o belo samba de Assis Valente “Minha Embaixada Chegou”, Chico vai buscar “Gota D’Água”, da peça homônima escrita em 1975, em parceria com Paulo Pontes, relê a inesquecível “Todo o Sentimento”, em parceria com o pianista Cristóvão Bastos, pinça aqui e acolá algumas das pérolas dos musicais produzidos com Edu Lobo, com destaque para “A Moça do Sonho”, retoma “A Volta do Malandro” e “Homenagem ao Malandro” e por aí afora.
Ao lado de Chico, está a banda que o acompanha há mais de 30 anos com alguns dos melhores músicos do Brasil, que se tornaram parceiros e amigos. A pitada de melancolia e emoção fica por conta da dedicatória ao baterista, cantor e compositor Wilson das Neves, que veio a falecer em 2017.
O disco é impecável. Traz um Chico em plena forma, com um repertório esplêndido, pra dizer o mínimo, apresentado de maneira sóbria, divertida e repleta de recados intercalados. Tudo, enfim, que se pode esperar de Chico Buarque, o que inclui aquele um tanto a mais de inesperado e surpreendente.