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A dupla CAES gravou sons espalhados pela cidade de Santos, litoral de São Paulo. A estes sons foi adicionada música da mais fina linhagem e beleza. O resultado é lindo
Por Julinho Bittencourt
A ideia de fazer a trilha sonora de uma cidade, ou ao menos parte dela é um tanto inusitada e ousada. Quando se trata da sua cidade, de ruas que você tem encravadas na alma, espaços que conhece para além da retina e da palma das mãos, o negócio fica ainda mais complicado.
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E foi com todas essas dificuldades e tantas outras que abri, curioso, o lindo encarte do disco “Santos 3AM”, da dupla de músicos e inventores Bruno Burt e Guilherme Meduza. E foi também com tamanha surpresa, emoção e desfaçatez que me peguei emocionado me perguntado: “como não pensei nisso antes?”
Os dois correram a gravar espaços da cidade como a avenida que margeia o cais, a “Avenida dos Portuários”, o velho teatro da cidade, o “Guarany”, o lendário estádio do Santos F.C., “A Vila” entre outros mais subjetivos, como o som da chuva na Rua XV de Novembro, que era a antiga “Chuva na Rua Direita” e, um achado, o fenômeno do “Vento Noroeste”, um conhecido bafo quente vindo do mar que vira o tempo e traz tempestades enormes.
Aos sons destes lugares e alguns outros foram adicionados – não exatamente nesta ordem – outros sons, música da mais fina linhagem e beleza, assim como a ideia, um tanto inusual e incomum. O resultado é lindo. O efeito sonoro, o mistério e prazer que a dupla destaca nesta viagem afetiva e extremamente emocionada é de encher os ouvidos.
Sons eletrônicos se misturam a solos e acordes extensos de guitarras elétricas e acústicas, pregões de vendedores; “Olha a água, olha água, olha a água!”; os sons do “Trem para Vicente de Carvalho”; a água batendo na catraia que atravessa a entrada da barra para a prainha do Góis em “E O Resto é Silêncio”; os vendedores da feira livre, melodias ricas e pungentes, o humano dentro do humano, cheiros e sons das gentes da cidade. Coisas adormecidas em nós.
São apenas os dois e uma infinidade de mundos vindos de todas as partes. Contam com a participação do baixista Fábio Machado, que corresponde à proposta sem pestanejar e a parceria de Jota Amaral, em “Vento Noroeste”.
A capa e encarte, enfim, o projeto gráfico, assinado apenas por Bode, faz jus ao disco. A capa traz fotos perfeitamente cortadas em tiras, onde se se acomodam os títulos das faixas em um acetato que a envolve. A ideia de colagens e encaixes do disco se repete ali, nas imagens onde a cidade se mostra sutil entre o lusco fusco e o anoitecer.
“Santos 3AM”, ao que tudo indica, é referente a um horário e um local, o centro da cidade. O que resta ao ouvinte é esperar que a dupla faça outros, com todas as horas e espaços.
Me pergunto ainda qual o efeito que esses sons teriam aos que nada ou muito pouco sabem a respeito da nossa cidade. E respiro tranquilo. O que o CAES faz é música de alta qualidade a partir de uma inspiração intensa.
Nada muito diferente de tudo o que de melhor andaram fazendo pelo planeta nos últimos séculos.
Ouça o disco abaixo: