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A escritora, ao lado de Conceição Evaristo, debateu a condição da mulher negra, durante mais um dia da 9ª edição da Tarrafa Literária, em Santos, no litoral de São Paulo.
Por Lucas Vasques
“O preconceito de raça está tão presente na cultura do Brasil, embora exista o mito do não preconceito, que a palavra racismo só foi dicionarizada em 1982. Antes, não aparecia em nenhum dicionário”. A afirmação é de Ana Maria Gonçalves, escritora e ativista anti-racista, durante o debate Letra de Mulher, na 9ª edição da Tarrafa Literária, evento que reúne grandes nomes da literatura nacional e internacional, em Santos, no litoral de São Paulo. O encontro discutiu a posição da mulher, especialmente a negra, na literatura e na vida. Ana diz que as ações de racismo, antes disso, eram consideradas mal-entendidos. “A responsabilidade sobre o ato era invertida, passando para quem sofria o racismo, que, supostamente, não compreendia direito a atitude”.
A outra debatedora, a também escritora e ativista Conceição Evaristo, respalda a ideia e vai mais além: “A pobreza no Brasil tem cor. Basta ver quem está exercendo cargos de comando no mercado de trabalho ou quem são os ricos do pais”. Para Conceição, as negras participam do feminismo em suas lutas diárias, por meio de táticas de sobrevivência e enfrentamentos impostos pela sociedade. “A história da mulher negra está muito mais próxima da mulher indígena do que da mulher branca de classe média”.
Na opinião de Ana Maria, a situação dos negros está muito longe do ideal. “A prova é que, logo após a abolição da escravidão, 63% das mulheres negras desempenhavam serviços domésticos. Há dois anos, foi feito um levantamento que demonstrou que 62% das mulheres negras exerciam atividades domésticas. Isso resume tudo”.
Conceição ainda cita que a relação empregada e patroa é uma das atividades que mais conservam vestígios de uma reação escravocrata, apesar das leis trabalhistas. “Isso acontece principalmente fora das capitais. O lugar social dessas mulheres é resquício do sujeito escravizado”.
O assunto das cotas para negros também foi abordado por Ana Maria. “O branco se sente ameaçado pela presença dos negros nas universidades e, para combater as cotas, alega que existem exemplos de negros ricos, como os filhos do Joaquim Barbosa ou da Glória Maria. O argumento é fraco, pois os poucos negros ricos teriam de ter muitos filhos para tomarem o lugar dos brancos. As cotas acabam sendo um estigma que recai sobre os negros, embora, segundo estatísticas, a maior parte dos cotistas seja de brancos pobres”.
Trajetórias
Ana Maria Gonçalves - Seu primeiro livro foi o romance Ao lado e à margem do que sentes por mim, de 2002. Em 2006 lançou Um defeito de cor (Record), romance histórico que narra a vida da escrava Kehinde, capturada na África e trazida para o Brasil em um navio negreiro. Em Salvador, ela se casa com um português e participa da revolta dos Malês, entre outras aventuras que cobrem 90 anos de História. Este livro revela, com riqueza de detalhes, aspectos pouco conhecidos da cultura e religiosidade africana no Brasil e na África. Um defeito de cor venceu o Prêmio Casa de las Américas (Cuba), foi finalista de alguns prêmios nacionais e eleito pelo jornal O Globo um dos 10 melhores romances da década. Ana Maria tem contos em antologias publicadas em Portugal e na Itália. Em 2013, foi condecorada pelo governo brasileiro com a comenda da Ordem de Rio Branco, por serviços prestados ao país por sua atuação anti-racista.
Conceição Evaristo - Ficcionista e ensaísta. Mestre em Literatura Brasileira/PUC/Rio, Doutora em Literatura Comparada/UFF. Sua primeira publicação (1990) foi na série Cadernos Negros, grupo Quilombhoje, coletivo de escritores afro-brasileiros de São Paulo. Participa das antologias: Schwarze prosa e Schwarze poesie; (Alemanha) Moving beyond boundaries: international dimension of black women’s writing; Women righting – Afro-brazilian Women’s Short Fiction, (Inglaterra), Finally Us: contemporary black brazilian women writers; Fourteen female voices from Brazil; (Estados Unidos) Chimurenga People (África do Sul). Individuais: Ponciá Vicêncio (romance), traduzido para o inglês e francês; Becos da memória (romance), traduzido para o francês; Poemas da recordação e outros movimentos (poesia); Insubmissas lágrimas de mulheres (contos); Olhos d’água (contos).
Programação
A Tarrafa Literária prossegue hoje e amanhã, com entrada gratuita. Confira a programação:
Sábado, 30 de setembro
13h – Intervenção: Polvos Poéticos / Grupo Sensus
Local: SESC Santos – Rua Conselheiro Ribas, 136 – Aparecida, Santos
15h – Mesa: HQ – A vida quadro a quadro
Com André Dahmer e Rafael Coutinho / Mediação: Jorge Oliveira
Local: Teatro Guarany – Praça Andradas, S/N, Centro – Santos/SP
17h – Mesa: Um país encara o espelho
Com Maria Rita Kehl e Eugênio Bucci / Mediação: Matthew Shirts
Local: Teatro Guarany – Praça Andradas, S/N, Centro – Santos/SP
17h30 – Lançamentos Edições SESC
Livro: Tudo sobre Tod@s” / Sergio Amadeu
Local: SESC Santos – Rua Conselheiro Ribas, 136 – Aparecida, Santos/SP
19h – Mesa: A vida dos outros
Com Jotabê Medeiros e Marcelo Rubens Paiva / Mediação: João Gabriel de lima
Local: Teatro Guarany – Praça Andradas, S/N, Centro – Santos/SP
Domingo 01 de outubro
09h – Futebol com os autores
Local: Associação Atlética Portuguesa – Av. Sen. Pinheiro Machado – Marapé, Santos/SP
13h – Intervenção: Polvos Poéticos
Com o Grupo Sensus
Local: SESC Santos – Rua Conselheiro Ribas, 136 – Aparecida, Santos/SP
15h – Mesa: Das tripas, coração. Literatura e comida
Com Nina Horta e Jota Bê / Mediação: Rodrigo Levino
Local: Teatro Guarany – Praça Andradas, S/N, Centro – Santos/SP
17h – Mesa: A conquista do leitor
Com Rui Zink e Luiz Ruffato / Mediação: Rodrigo Savazoni
Local: Teatro Guarany – Praça Andradas, S/N, Centro – Santos/SP
19h00 – Mesa: Jornalismo do agora e do amanhã
Com Cynara Menezes e José Trajano / Mediação: Vladimir Lemos
Local: Teatro Guarany – Praça Andradas, S/N, Centro – Santos/SP
Foto: Divulgação/Tarrafa