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Da última vez foi em Brasília. Sua música ecoava pela noite do planalto sólida, universal. Era carioca até a medula. Sabia como poucos a ginga e o jeito do Rio, morro do São Carlos, Estácio de Sá. Derramado, recortado, fotográfico, Melodia era um poeta nato, empírico, explosivo.
Por Julinho Bittencourt
Ele chegava e espalhava alegria. Certa vez foi fazer show, no antigo e saudoso Bar do 3, em Santos. Era uma montagem simples, com ele ao centro e apenas os violões do Piau e do agora também falecido Perinho Santana. Luiz Melodia, ao centro, incendiou a plateia durante mais de duas horas. Cantou tudo, dançou, conversou e, no final das contas, como se não bastasse, ficou conosco até às 8 horas da manhã.
Depois disso, encontrava com ele no Maracanã, durante os jogos do Pan, em 2007. Vascaíno roxo, adorava futebol, mas era entusiasta de todos os esportes, conhecia regras, táticas, torcia, se entusiasmava com o evento como um todo.
Da última vez foi em Brasília, num espetáculo promovido pela secretaria de Integração Racial. Fez o encerramento para uma multidão, que se aglomerava no Eixo Monumental, em frente à Torre de TV. Era o mesmo. Conversava com todos, tirava fotos, beijava, sorria e, na hora de subir ao palco, foi de braços dados, conduzido por sua esposa, num ritual que repetia sempre que podia.
Sua música ecoava pela noite do planalto sólida, universal. Era carioca até a medula. Sabia como poucos a ginga e o jeito do Rio, morro do São Carlos, Estácio de Sá. Derramado, recortado, fotográfico, Melodia era um poeta nato, empírico, explosivo. Espalhava o cotidiano em suas canções de forma quase aleatória, feito colagem, versos de causar espanto e inveja: “Se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais, teatro, boate, cinema, qualquer prazer não satisfaz”.
A mistura de seu som é quase indecifrável. Coisa de derreter cérebro de crítico. Tem o samba no centro, muitas vezes quase imperceptível, noutras ali, tão presente quanto em Paulo da Portela, Cartola e tantos grandes. Mas tem também o funk, R&B, blues, samba-canção, James Brown e Dolores Duran, Tom Jobim e Stevie Wonder. Nada foi mais novo quanto Luiz Melodia. Nada será, por muitos e muitos anos.
Outro fator imprescindível no seu som, sobretudo nos primeiros discos, é a participação da Banda Black Rio, de Oberdan e Cia. Ali se juntava, como dizem os leigos, a fome e a vontade de comer, os sons de Melodia e a maior banda black dos subúrbios cariocas da década de 70. Uma mistura explosiva de metais, groove de baixo e bateria e a voz de Melodia, linda e límpida, afinada e livre feito um gato, o negro gato.
Melodia chegou chegando. O seu primeiro álbum, de 1973, é um hinário de canções maravilhosas, diversas e eternas, que marcaram a sua carreira por toda a vida. Estão lá a faixa título “Pérola Negra”, conta a lenda e o autor confirmava, feita para um travesti do morro do São Carlos; “Magrelinha”, uma de suas mais enigmáticas canções, eternizada também pela linda voz de Zezé Motta, além da maravilhosa “Estácio, Holly Estácio”: “O Estácio acalma o sentido dos erros que faço”.
Depois disso veio muito mais e, se permanecesse vivo continuaria vindo. Luiz Melodia era feliz, tinha prazer pela vida e pela música, gostava de gente, do palco, de saudar o mundo e seus pares.
Valeu, Melodia, por tudo o que nos entregou de sonho e poesia, de vida e arte, sagacidade e alegria. Valeu, meu caro.