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No próximo domingo (2) vai ao ar o último capítulo da série sobre a vida de Gal Costa, que tem feito grande sucesso e arrancado vários elogios, por sua linguagem ao mesmo tempo nova e fluida. No momento em que aproveita o bom momento, Dandara falou com exclusividade à Fórum sobre a realização da série, seu formato, a paixão pela obra de Gal e também sobre o seu pai, o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira.
Por Julinho Bittencourt
Estreou, no dia 11 de junho, no canal pago HBO, a série em quatro episódios “O Nome dela é Gal”, sobre a vida da cantora Gal Costa. O programa é dirigido por Dandara Ferreira, uma jovem cineasta baiana radicada em São Paulo há quase vinte anos, para aonde foi estudar cinema na FAAP.
No próximo domingo (2) vai ao ar o último capítulo da série, que tem feito grande sucesso e arrancado vários elogios, por sua linguagem ao mesmo tempo nova e fluida. Em meio a esse bom momento de sua carreira, Dandara falou com exclusividade à Fórum sobre a realização da série, seu formato, a paixão pela obra de Gal e também sobre o seu pai, o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira.
Dandara e Gal Foto: Arquivo pessoal
Fórum – Me corrija se estiver errado, mas parece que com “O Nome dela é Gal” você inaugura algo inédito, pelo menos no Brasil, que é a série/biografia. A gente pode dizer isso?
Dandara Ferreira – Eu acho que sim. Não me lembro de nenhuma outra série/biografia. Acho que a diferença do documentário da Gal está no formato de série. Um momento novo do documentário brasileiro, dividido por episódios. Há uma continuidade em cada um, não tem um final fechado. A pessoa que vai assistir precisa ficar interessada em ver o próximo episódio.
Fórum – A narrativa da série é elaborada como uma dessas grandes biografias que a gente tem hoje por ai do Fernando Morais, Ruy Castro, Lira Neto. Você entrou mesmo na vida da Gal, pesquisou, foi buscar personagens e, no fim, conseguiu transpor para a TV uma linguagem mais densa. Era esse o objetivo desde o começo?
Dandara Ferreira – Sim. Sou muito fã da Gal e sentia falta de uma documentação audiovisual sobre ela. O desejo veio daí: reverenciar e colocá-la no lugar que ela tem na história brasileira. Pesquisei bastante para escrever o roteiro e fui atrás de pessoas que tiveram proximidade com a Gal, para entender mais sobre ela. A Elis tem filme, livro, especial de televisão. Da Gal não tinha nada. Sinto falta de ter uma biografia da Gal. Espero que alguém escreva.
Fórum – Você usa um recurso raro, com um ótimo resultado, onde o narrador desaparece. A história é toda contada pelos personagens, você deixa que eles falem e conduz/narra através da ilha de edição. Fale, por favor, sobre essa opção.
Dandara Ferreira – Acho que o narrador não desaparece no documentário. Ele está lá. Devido a personalidade fechada da Gal, os outros personagens ajudam a contar a história, mas quem realmente narra é ela. A Gal que entrevistei conta a sua história com simplicidade, que contrapõe com a Gal artista e com tudo que ela viveu - e também com o que as outras pessoas falam sobre ela. Os outros personagens participam como observadores. Ajudam a elaborar a história de uma forma mais completa.
Fórum – No primeiro capítulo, você coloca o espectador em Salvador na década de 60, com uma percepção clara de que algo de muito importante estava acontecendo ali. Depois de tantos anos lendo e ouvindo histórias sobre aquele lugar e período, “O Nome dela é Gal” parece ser uma obra definitiva sobre isso. Você acha que essa descoberta se deve a um distanciamento histórico, foi involuntário ou você estava preparada para isso desde o começo?
Dandara Ferreira – O primeiro episódio é sobre a década de 60. A série é dividida em 4 episódios, por fases da carreira da Gal: 1 - começo da carreira, mais joaogilbertiana; 2 - tropicalista; 3 - pop e 4 - atual. Essas fases têm relação com a personalidade da Gal, de ser uma pessoa inquieta, subversiva, que está sempre inovando. Gal é personagem histórico, símbolo do Brasil e de suas transformações. Uma artista está sempre ligada ao seu tempo, no sentido de puxar as pessoas para o que não é obvio.
Fórum – A gente percebe, durante todo o tempo, que você lutou contra as paixões, o fascínio pela obra de Gal e dos baianos, para se manter isenta, ao mesmo tempo em que lança mão delas. Como foi esse embate?
Dandara Ferreira – Eu queria ouvir a Gal. Queria saber o que ela pensa. Saber o ponto de vista dela. Tentei deixar que os personagens conduzissem. Mas, no momento que fiz as escolhas dos recortes da vida dela, focando mais nas fases da carreira dela que mais gosto, acabei tendo uma interferência também.
Fórum – Você apresenta a sua personagem como ‘a voz feminina do tropicalismo’ – termo usado por Bethânia – uma mulher linda, que canta divinamente, encanta e apaixona, enfim, a musa no sentido explícito da mitologia grega. Uma mulher avessa à reivindicada por algumas feministas hoje em dia e, ao mesmo tempo, um ícone da então modernidade daquela época. Como foi trabalhar isso?
Dandara Ferreira – Este documentário é sobre uma mulher, feito por uma mulher. Normalmente, a voz da tropicália é sempre masculina. Queria destacar a voz feminina. Gal do meu imaginário sempre foi uma mulher fatal. E ela é isso: mulher explosiva, fatal, musa, subversiva. Nos anos 70, ela foi uma figura dominante. Diva do desbunde, resistência artística. Deram nome de um pedaço da praia de Ipanema de Dunas da Gal, que era um lugar de conforto ao mundo externo, porque a figura dela representava isso. Ainda no período da ditadura, Gal teve uma das capas de discos mais polêmicas na época, com o disco “Índia”. Hoje em dia, ela já tem 70 anos e o contexto é bem diferente. Mas ela está sempre se inovando. Seu disco “Recanto” é um dos melhores discos dos últimos tempos, é moderno e lá está o seu passado tropicalista. Ela é uma pessoa subversiva, nunca está na zona de conforto. Na história do Brasil não é pouca coisa, ainda mais sendo mulher.
Fórum – Você é filha do ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira. Em que medida ele, um protagonista vital dessa Salvador hedonista e criativa da década de 60, te influenciou a fazer esse documentário?
Dandara Ferreira – Diretamente, ele não me influenciou em nada. Mas, acho que o fato de eu ser filha dele e ter convivido com esse universo tão rico culturalmente, me facilitou muito, já que de alguma forma isso é familiar para mim. Minha paixão pela Gal começou através do meu pai. Na minha casa, a música sempre esteve muito presente e a Gal é a cantora prefira do meu pai. Cresci ouvindo Gal, especialmente no período da separação dos meus pais, em que ele ouvia com uma certa frequência a música "Hotel das estrelas".
Fórum – Por ser filha do Juca, a despeito de todos os benefícios óbvios que isso trouxe para sua formação, isso te prejudicou no sentido de não poder trabalhar livremente? Aquelas pessoas que chegam pra dizer: “Ah, ela conseguiu isso por causa dele”, “ela conseguiu tal edital porque foi ajudada” etc. O que você fala sobre isso?
Dandara Ferreira – Sei que muita gente deve achar que as minhas conquistas tenham alguma relação com meu pai. Faz parte da cultura machista, patriarcal. Mas, quem me conhece sabe que não é bem assim. A educação que obtive em casa foi de aprender desde cedo a caminhar sozinha. Moro há 19 anos em São Paulo e criei minhas relações totalmente independente do meu pai. Foi até curioso que, quando ele veio morar aqui, quando aceitou o convite do Haddad para ser secretario de Cultura, ele ia em vários lugares e as pessoas perguntavam se ele era o pai da Dandara. E durante o período que meu pai esteve no ministério, eu nunca participei de nenhum edital.
Informações sobre a série “O Nome dela é Gal”
Gal Costa Foto: Divulgação
A carreira, obra, personalidade e música de Gal Costa são temas da série documental O Nome Dela é Gal, que estreou em 11 de junho com exclusividade no canal HBO. Ícone do Tropicalismo, a artista tem sua vida retratada em quatro episódios, compostos por entrevistas, imagens de época e depoimentos de músicos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Tom Zé. Com duração de uma hora cada episódio, a série produzida pela Popcon vai ao ar às 22h dos domingos.
A trajetória de Gal, definida por João Gilberto como “a maior cantora do Brasil”, é detalhada desde o humilde início cantando nas ruas de Salvador, onde ficou amiga de muitos artistas que seriam grandes nomes da música brasileira nas décadas seguintes, até a sua transformação em um ícone da música e da cultura.
O primeiro episódio, “De Maria da Graça a Gal”, conta como a menina Maria da Graça conhece em Salvador as amigas Dedé e Sandra e os parceiros musicais Caetano e Gil. Junto com Maria Bethânia, formou-se a turma que definiu a trajetória artística daquela que passou a se chamar Gal. Com Caetano, a garota dividia a admiração irrestrita por João Gilberto.
No segundo episódio, “Dos Festivais às Dunas da Gal”, antes de entrar no palco para defender “Divino Maravilhoso” no Festival da Record de 1968, Gal pediu que Gil fizesse um arranjo diferente da música. Foi assim que a adolescente que cantava Bossa Nova saiu do palco como a mulher tropicalista. Caetano, Gil, Dedé e Sandra partiram para o exílio. Gal permaneceu no Brasil e ampliou suas parcerias: Wally Salomão, Jards Macalé e Luiz Melodia. Em plena ditadura militar, o espaço mais conhecido da contracultura no Rio de Janeiro, um pedaço da praia de Ipanema, ficou conhecido como Dunas da Gal.
“Da Contracultura ao Pop”, o terceiro episódio, revela o sonho que Maria Bethânia teve em 1976, em que a turma de Salvador se reunia novamente para criar os “Doces Bárbaros”. Foi um momento único de retomada coletiva do espírito da contracultura. Passado esse momento, Gal seguiu o caminho da estética pop, que lhe permitiu alcançar um público de dimensão antes impensável. A artista decidiu dar um tempo para fazer uma coisa nova.
O último episódio da série, “Do Futuro ao Presente”, apresenta a relação da Gal com seu filho e o momento atual da carreira da cantora, em meio aos bastidores do show “Estratosférica”, de 2015, em que Gal comemora 50 anos de carreira.
O Nome Dela é Gal é produzida por Roberto Rios, Maria Angela de Jesus, Paula Belchior e Patricia Carvalho, da HBO Latin America Originals, e Tatiana Quintela, da Popcon, com recursos da Condecine – Artigo 39. A série tem direção de Dandara Ferreira e será distribuída com exclusividade pela HBO Latin America.