Escrito en
CULTURA
el
Deve haver algo de muito errado na indústria fonográfica. O melhor, mais criativo e ousado álbum de música pop de todos os tempos está completando 50 anos e nunca mais, nem os próprios autores, fizeram nada que se aproxime dele.
Por Julinho Bittencourt
Deve haver algo de muito errado na indústria fonográfica. O melhor, mais criativo e ousado álbum de música pop de todos os tempos está completando 50 anos e nunca mais, nem os próprios autores, fizeram nada que se aproxime dele.
O fato é que, quando os Beatles gravaram o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, em 1967, eles já eram, de longe, o maior fenômeno mundial do mercado de discos. Estavam fartos da histeria da beatlemania, haviam abandonado os shows, onde mal se ouviam e, sobretudo, o iê, iê, iê.
The Beatles (1967) - Foto Promocional
Vinham de dois álbuns surpreendentes, gravados quase que simultaneamente, o “Revolver” e o “Rubber Soul”, onde vários experimentos com outros instrumentos, truques de gravação, fitas executadas de trás pra frente, entre outras ousadias, tomavam o lugar das canções açucaradas de três acordes que faziam o furor da juventude de então.
Diz a lenda, e os protagonistas confirmam, que quando Brian Wilson, líder dos Beach Boys, ouviu “Rubber Soul”, se sentiu compelido a gravar o lendário “Pet Sounds”. Paul, McCartney, por sua vez, quando ouviu o álbum da banda californiana foi pra disputa e propôs aos colegas um álbum conceitual. Nele, os Beatles, que já não faziam mais shows, seriam representados por uma banda imaginária, a “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Ao invés dos shows, mandariam o disco.
Brian Wilson - Foto Promocional
As sessões de gravação foram intermináveis. Ringo Starr conta, com seu humor característico, que gravar o Sgt. Pepper foi uma ótima oportunidade para aprender a jogar xadrez. George Harrison, por sua vez, diz que se sentia profundamente aborrecido e já não tinha mais interesse algum em ser um “fab”. Mesmo assim colaborou com uma das melhores faixas do disco.
Lennon e McCartney, por sua vez, mergulharam num sem fim de experimentações ao lado do produtor George Martin e do técnico de estúdio Geoff Emerick, onde as canções eram tocadas, reviradas, repetidas, numa série de invenções e sobreposições que duraram seis longos meses.
George Martin e Geoff Emerick - Foto Promocional
McCartney conta que leu certa vez na imprensa que os Beatles estavam perdidos no estúdio, sem conseguir gravar, sem criatividade e pensou: “Eles não perdem por esperar”. E foi, de fato, o que aconteceu. Quando o disco chegou às lojas foi uma explosão. Críticas e mais críticas – como acontece até hoje – se derramaram em elogios às novas canções, à capa, e tudo o mais.
Sobre o fim de semana de lançamento, o mesmo McCartney conta que, o disco saiu num sexta-feira. No domingo, eles foram assistir a um show de Jimi Hendrix em Londres e o guitarrista abriu o concerto com a faixa título. Há poucas horas de seu nascimento, a lenda já se tornara pública.
Jimmi Hendrix - Foto Promocional
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” mereceu e merece até hoje um sem fim de histórias, comentários e releituras. Uma das melhores é o livro “Paz, Amor e Sgt. Peppers”, do produtor George Martin. Nele, o maestro conta detalhes da gravação, como foram feitos determinados truques, a inesquecível noite em que a Sinfônica de Londres foi gravar “A Day in The Life”, a viagem de ácido de John Lennon, enfim, um sem fim de histórias encantadas.
Nada em Sgt Peppers é comum, a começar pela capa. Num cenário primoroso repleto de reproduções de personalidades como Edgar Allan Poe, Marilyn Monroe, Bob Dylan, Marlon Brando, Oscar Wild, Gustav Jung, Lewis Carroll e até a figura dos próprios Beatles emprestadas do museu de cera de Madame Tussaud, entre muitas outras, a foto parece fazer, de forma premonitória, a síntese do pop, a embalagem exata para o conteúdo: a trilha sonora de um tempo.
Capa Interna do “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” chega aos 50 anos único, soberano. Talvez os próprios Beatles tenham sido um tanto responsáveis por isso, mas tudo daí por diante virou mercado, com justas medidas para vendas e mais vendas. E, onde entra o mercado com as suas estratégias, desaparece a ousadia.
O disco, canção por canção
“Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” – É a canção onde a banda se apresenta. Um rock vigoroso de Paul McCartney, onde a mistura exata de guitarras distorcidas, uma bela harmonia vocal e metais, anunciam de forma quase marcial, a estranheza e o encanto do que estava por vir.
"With a Little Help from My Friends" – Seus acordes chegam emendados ao final da anterior. Foi feita por Lennon e McCartney para Ringo cantar, tem melodia simples e alegre, e letra repleta de imagens aleatórias, que faz a primeira alusão às drogas do disco: “Eu fico alto com uma pequena ajuda dos meus amigos”.
Lucy in The Sky with Diamonds – Um clássico de Lennon, a canção ganhou várias versões. Vale destaque para a de Elton John. Na época dizia-se que o autor fazia alusão ao LSD nas iniciais de cada palavra do título. Lennon disse que era apenas um desenho de seu filho Julian.
Getting Better – Esta canção é das que melhor mostra a diferença de personalidade dos autores. Ela é basicamente toda de McCartney, com seu otimismo típico. George Martin conta que Paul cantava o verso "A little better all the time" (Um pouco melhor a cada dia), quando John entrou e respondeu em contracanto: "It can't get more worse!" (Não poderia ficar pior).
"Fixing a Hole" – Outra canção lisérgica de Paul, com claras alusões às drogas que ele, no entanto, também nega. "Fixing a Hole" foi aproveitada em uma bela cena do desenho animado “Yellow Submarine”.
"She's Leaving Home" – Uma linda valsa de Paul, acompanhado apenas por um quarteto de cordas e os vocais de John e George. A letra é um diálogo comovente entre os pais sobre a filha que saiu de casa.
"Being for the Benefit of Mr. Kite!" – Um dos pontos altos do disco, Lennon escreveu esta canção inspirado em um pôster que anunciava um espetáculo circense. Para criar o clima do carrossel, eles picotaram a gravação de um órgão e emendaram aleatoriamente.
"Within You Whitout You" – A única composição de George do disco, onde os outros Beatles não participam. Na sessão está apenas George e um grupo indiano. O resultado é muito bonito, com longos improvisos de cítara.
"When I'm Sixty-Four" – Composição de McCartney feita propositalmente no estilo das antigas canções de câmara, onde o protagonista pergunta à parceira se ainda será amado aos 64 anos. É das que Lennon implicava e dizia ser “uma das canções para vovozinhas de Paul.
"Lovely Rita" – Outra canção de amor de Paul. Nela, Lennon e ele fazem sons percussivos com pente e papel, velha brincadeira de crianças. Vale destacar também o belo solo de George Martin ao piano.
"Good Morning Good Morning" – Uma das canções mais divertidas do disco, Lennon compôs inspirada em um comercial de cereal de milho. Ao final, há uma grande balbúrdia de bichos e ainda a colaboração de uma banda de metais de Liverpool.
"Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise)" – A mesma canção da abertura aparece aqui em versão mais curta e um tanto mais rápida, com a banda se despedindo.
"A Day in the Life" – Como um ponto fora da curva, depois de tudo encerrado, surge ao final do álbum aquela que muitos consideram a grande obra-prima dos Beatles. Originalmente de Lennon, a canção ganhou uma parte no meio de McCartney. A letra parte de alguém lendo o jornal e comentando as notícias. Além dos Beatles, há a participação da Orquestra Sinfônica de Londres. "A Day in the Life" foi classificada pela revista Rolling Stones como a maior canção de todos os tempos.
O single que ficou de fora
George Martin dizia que se arrependia, mas as canções “Stawberry Fields Forever” e “Penny Lane” foram gravadas nas mesmas sessões do Pepper’s, mas acabaram ficando de fora do álbum e foram lançadas em um single. De acordo com ele, elas são parte integrante do conceito do álbum.
“Strawberry Fields Forever” – Linda canção de Lennon, assim como “Penny Lane”, feita também sobre imagens e lembranças de Liverpool. A gravação é um grande feito de George Martin, que conseguiu juntar duas peças de tons diferentes alterando a rotação. O resultado final é primoroso.
“Penny Lane” – Canção de Paul sobre uma rua de Liverpool. O arranjo traz um curioso solo de trompete piccolo. A partir do seu sucesso, a prefeitura desistiu de colocar a placa com o nome da rua em Penny Lane, pois era sempre roubada, e passou a apenas pintar o nome.