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O álbum é um giro musical por todas as boas influências do Novo Mundo, feito com um olhar solto e repleto de imaginação. Uma série de trechos rítmicos, temas curtos, improvisos e vigor melódico que seguem uma trajetória linear, onde cada tema conta um trecho da história.
Por Julinho Bittencourt
O projeto é bastante ambicioso. Narrar a trajetória sociocultural das Américas através da música instrumental. Idealizado pelos músicos Állan Azambuja, multinstrumentista nascido no Mato Grosso do Sul, criado no Amapá e vivendo em São Paulo desde 2010; e por Gabriel Lima, baterista e percussionista paulistano; o projeto Zamba é, de fato, repleto de texturas, ousadias, inovações, referências e, sobretudo, boa música.
A bem da verdade, o lançamento é um ovo de Colombo. Um giro musical por todas as boas influências do Novo Mundo, feito com um olhar solto e repleto de imaginação. Uma série de trechos rítmicos, temas curtos, improvisos e vigor melódico que seguem uma trajetória linear, onde cada tema conta um trecho da história.
Logo de saída, a abertura percussiva de “Zumba” nos remete às primeiras civilizações. Nada é óbvio. A execução cheia de nuances, feito a trilha de um filme, mistura sons e ritmos ao mesmo tempo familiares e distintos.
A capoeira, ai sim mais clara, surge em “Zambi” numa referência direta à escravidão. Antes do salto para a contemporaneidade, a banda faz a ponte com “New Pacha”, fusão entre o novo e a milenar mãe terra, a Pacha Mama. Sopros, guitarra e baixo se misturam em frases simultâneas improvisadas que abusam da originalidade, que lembram aqui e acolá as texturas de Miles Davis em “Bitches Brew”, uma forte referência da banda, e também as últimas gravações do nigeriano Fela Kuti.
Dai por diante, o disco desembarca no século XX. “Praise” parece feita sob encomenda para os lendários discos de jazz da americana A&M Records, com fusões instrumentais que ficam entre a música pop e o free jazz. Destaque para a apresentação do tema com os sopros sobre a base de piano elétrico e contrabaixo.
“Peabiru” é um tema com basicamente três notas que se repetem sobre uma trama instrumental, resultando num efeito sonoro vivo, intenso. Um improviso de guitarra borda o tecido de alto a baixo e chama, ao final, delicadas variações de sopros, como se fechassem a moldura. Um dos pontos altos do disco.
Apesar de ter uma forte voz própria, “Jaguará” lembra os melhores momentos da banda Black Rio. Aqui, mais uma vez, a célula rítmica curta se alterna com frases rápidas de metais enquanto a pancada da bateria empurra tudo mais à frente, sempre mais à frente.
Para finalizar, o que parecia se explicar pelo nome “No Harlem”, mais uma vez nos surpreende a traz uma leitura absolutamente pessoal do lendário bairro negro de Nova Iorque. Na faixa, que parece ser um resumo de tudo o que foi dito anteriormente, a marca registrada da banda retorna com frases curtas, improvisos precisos e econômicos, distorções e atabaques, grooves e metais.
O Projeto Zamba é, de fato, um surpreendente passeio pela música das Américas, sobretudo a música negra. Uma bela homenagem a uma contribuição cultural inestimável que eles transformam, reformam a levam adiante. Vale cada minuto.