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A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, através do Departamento de Antropologia Social, por sua vez, ofereceu, no segundo semestre deste ano, um curso de extensão que aborda conceitos-chave da teoria de ambos, Poder e Performatividade Pública: introdução a Judith Butler e Michel Foucault. Todas as aulas estão disponíveis no YouTube
Por Linhas Tortas
Michel Foucault e Judith Butler são dois pensadores contemporâneos de larga envergadura: o primeiro foi responsável por inovações metodológicas e concepções novas sobre as relações de poder, já a última é grande nome nos estudos de gênero e tem vasta produção sob a influência do filósofo francês.
A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, através do Departamento de Antropologia Social, por sua vez, ofereceu, no segundo semestre deste ano, um curso de extensão que aborda conceitos-chave da teoria de ambos, Poder e Performatividade Pública: introdução a Judith Butler e Michel Foucault. Todas as aulas estão disponíveis no YouTube.
“O objetivo do curso é analisar o poder e a performatividade pública: aproximar o conceito de Foucault com o de Butler e entender o modo como eles, juntos, ajudam a pensar debates, manifestações e diversas configurações no espaço público”, diz Jacqueline Moraes Teixeira, professora do curso e doutoranda na FFLCH.
Jacqueline conta que a ideia do curso surgiu de sua pesquisa de doutorado, sobre religião e sexualidade, onde analisa programas de gênero e igrejas pentecostais, e o modo como esses programas geram políticas públicas. As igrejas pentecostais também foram alvo de seu projeto de mestrado, Da controvérsia às práticas: conjugalidade, corpo e prosperidade como razões pedagógicas na Igreja Universal, concluído também no Departamento de Antropologia Social da FFLCH e que resultou no livro A Mulher Universal: Corpo, Gênero e Pedagogia da Prosperidade.
A ideia de transmiti-lo através do YouTube também foi inovadora, “por diversos fatores, as pessoas têm dificuldade de acesso aos cursos de extensão da USP. Eles são mal divulgados e o campus do Butantã é muito longe. Isso me deu a ideia de tentar transmitir o curso pela internet. Foi a primeira experiência de um curso de extensão com essa iniciativa e eu considero que deu muito certo. O curso teve um público de 125 alunos de vários lugares, muitos professores de ensino fundamental e médio e muitas pessoas que acompanhavam pelo YouTube”, explica Jacqueline ao Colunas Tortas.
O curso foi oferecido primeiramente à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e repetido na USP. Agora, o objetivo da professora é preparar um curso maior, com mais conteúdo para ser abordado. “Tanto nessa edição do curso na USP, quanto a primeira edição, na FESPSP, houve comentários sobre a necessidade de mais conteúdo acerca de ambos os autores”.
Atualmente o curso é feito com nove aulas, quantidade escolhida para atender às exigências de ambas as instituições, entretanto, a tendência é que o número de aulas cresça.
Foucault + Butler
Michel Foucault é considerado um dos pensadores mais influentes do século XX, com ideias que marcaram os estudos sobre a história da loucura, a história da medicina, a história da sexualidade e do encarceramento.
Os procedimentos arqueológico e genealógico foram inovações metodológicas para as ciências humanas, ambos colocavam o pesquisador em posição livre para analisar as relações de saber e poder sem se comprometer com pressupostos legitimados pela academia, na medida em que ambos questionam qualquer tipo de fundamentação prévia. “A partir do momento em que passamos a nos relacionar com esses procedimentos, temos que lidar com as dimensões metodológicas que eles implicam: uma certa temporalidade, um modo de lidar com a ideia de categoria e um modo de pensar a realidade a partir da prática”.
A autora estadunidense, por sua vez, tem papel-chave nos conflitos da atualidade. “Butler amplia a ideia de biopolítica, o que a permite lidar melhor com a precariedade, vulnerabilidade e outras categorias utilizadas na política internacional de guerras e conflitos”, explica Jacqueline.
Os conflitos entre a direita brasileira e Butler
O seminário internacional Os Fins da Democracia, no SESC Pompeia, em São Paulo, foi palco de uma batalha entre setores conservadores da direita brasileira, que atacavam a participação de Judith Butler no evento, supostamente a principal representante daquilo que chamam de ideologia de gênero, e grupos interessados em sua palestra, que defendiam sua realização.
O acontecimento contou inclusive com uma boneca queimando em fogo vivo e, em sua face, a foto do rosto de Butler. Uma imagem icônica do tratamento religioso dado às mulheres que remonta a caça às bruxas da Santa Inquisição. Para Jacqueline, a disputa alí era da realização prática do evento, mas também de visibilidade pública.
“O SESC é um equipamento urbano importante, usado para o que a Butler chamaria de cena de aparição: é um local onde as pessoas vão para serem vistas. Aquela cena mostrava a disputa pelo espaço de pessoas que estavam lá em defesa do direito do seminário acontecer e pessoas que se sentiram prejudicadas por ele. Havia uma disputa de espaço, mas também por visibilidade, uma disputa pra saber quem falava mais alto, quem conseguia impôr a pauta do debate público”, diz Jacqueline.
A realização do protesto, portanto, não teve como único objetivo barrar a palestra de Butler, ou seja, o fato da filósofa ter conseguido se apresentar não resultou numa derrota da direita alí presente. O efeito de visibilidade cumpriu um objetivo: foi crucial para uma vitória indireta dos grupos conservadores.
“Todo o processo para evitar a vinda de Butler foi feito na arena pública e identificado com a direita contra uma filósofa identificada com a esquerda. A polarização entre direita e esquerda era bem clara, não só no momento do conflito em frente ao SESC como também durante todo o processo que culminou nele”, conclui.
E o término deste processo foi a visibilidade política imputada por grandes meios de comunicação ao tratarem os grupos de direita como manifestantes políticos legítimos e relevantes no espaço público.