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“O que o Oficina pede é o direito à cidade, é transformar a cidade em parque, em tribuna estética e política, e isto é perigoso para quem vê o espaço urbano como mero instrumento especulativo e não como cenário de vida”.
Por Tomaz Amorim
Os nomes de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, e do Teatro Oficina estão intimamente ligados à história do teatro brasileiro. Da década de 1960 até 2017, o grupo segue fazendo teatro pensando o Brasil e pensando o teatro a partir da especificidade brasileira. A lista de montagens que entraram para a história do teatro nacional é grande: Os Sertões, Pequenos Burgueses, Cacilda, As Bacantes, Hamlet, Para Dar um Fim no Juízo de Deus, Galileu Galilei, etc... A ação política é inseparável da cena e as montagens experimentais e críticas denunciaram e resistiram aos regimes autoritários da história recente do Brasil: da ditadura militar ao golpe no governo Dilma. Sua montagem de O Rei da Vela (de Oswald de Andrade) é sintomática deste combate político-estético, estreado em plena ditadura em 1967 e remontado há poucas semanas no SESC Pinheiros. A semelhança de contextos fala por si só e o Oficina esteve sempre atento a isso. Para abrigar este espaço de expressão e resistência, a arquiteta Lina Bo Bardi (responsável entre outras obras pelo prédio do MASP, pela Casa de Vidro e pelo prédio do SESC Pompéia), junto com Edson Elito, projetou no bairro do Bixiga a sede do Teatro Oficina Uzyna Uzona, aberto em 1993 e eleito em 2015 pelo crítico do jornal britânico The Guardian o melhor do mundo.
Mas esta pérola está em risco pelo monstro devorador da especulação imobiliária que não se cansa de deglutir e destruir, sem recriar nada, como exigiria o gesto antropofágico. Em um dos raros momentos em que a Indústria Cultural entra em combate aberto contra a arte de resistência, o Grupo Silvio Santos, dono do terreno ao lado do Oficina, pretende construir torres de cem metros, o que aniquilaria o premiado projeto de Lina Bo Bardi e arrastaria o bairro do Bixiga, um dos poucos que contém ainda algo da história urbanística e arquitetônica da cidade, na torrente de demolição e reconstrução cinza que caracterizam o desastre urbano que é São Paulo. Os debates em torno da questão movimentam ânimos porque são simbólicos. Embora ninguém defenda de cara limpa que São Paulo precise de mais um empreendimento arquitetônico genérico, na lógica barata e descartável da especulação imobiliária (prédios a serem mantidos habitados ou vazios, de acordo com os caprichos do deus-mercado), ao invés de um espaço tão único e importante quanto o do Teatro Oficina, a ideia de que se possa por um momento abrir mão do sagrado direito de propriedade e da mentalidade do lucro em prol de uma noção mais diversa e comunitária de cidade é ofensiva aos representantes do mercado que infiltram cada vez mais a prefeitura. O que o Oficina pede é o direito à cidade, é transformar a cidade em parque, em tribuna estética e política, e isto é perigoso para quem vê o espaço urbano como mero instrumento especulativo e não como cenário de vida. A partir da luta inicial pela manutenção do Teatro como ele é, o MOVIMENTO #VETAasTORRES (no link há a descrição da batalha judicial até agora), o coletivo propõe então a criação de um amplo Parque do Bixiga, religando a região ao Anhangabaú num projeto de nome reconhecível: O Anhangabaú da Feliz Cidade. Guilherme Wisnik descreve da seguinte maneira o embate:
“Zé Celso é antropófago. Atacado, ameaçado de desaparecimento, ele reage em grande estilo, querendo incorporar aquilo que é do outro: os terrenos do Grupo Silvio Santos. Não para o seu próprio bem, mas para o da coletividade. Sei que não é algo muito “razoável”. Mas representa a resistência necessária, e muito minoritária, hoje, contra o cálculo burocrático, contra a ideia de inevitabilidade do mercado, contra a desistência da política. Foi com a consciência antecipada disso, baseada em uma grandeza intelectual ímpar, que Aziz Ab’Saber tombou o teatro no Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), em 1982. Hoje, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) permite a construção de enormes torres vizinhas ao teatro. O que, se acontecer, obscurecerá a sua enorme fachada lateral de vidro, por onde passa uma árvore, soterrando sua dimensão urbana. Sofrendo forte pressão do Ministério Público, o Iphan liberou a construção do empreendimento, em contradição aberta com o laudo de tombamento do teatro feito pelo órgão em 2010, alegando não ter instrumentos jurídicos para barrá-lo”.
A luta político-institucional vai portanto se montando e o lado artístico vai buscando aliados que não se movam exclusivamente na lógica predatória do dinheiro. O vereador Gilberto Natalini (PV/SP), por exemplo, propôs na semana passada um projeto de lei que pede manutenção da área livre próxima ao Teatro, somada à criação do Parque do Bixiga. O coletivo do Oficina chama todos os interessados na disputa pela cidade para um ato que acontecerá neste domingo (26) chamado Domingo no Parque #vemproBixiga VETAasTORRES, e que conta com a seguinte descrição no Facebook:
“CONVOCAMOS os corpos livres, vivos, políticos, despertos!
para uma grande maniFESTAção PÚBLICA
uma acupuntura urbana
no território do PARQUE DO BIXIGA
para que seja uma terra pública, de cultura, de todas as artes
LIVRES
em contracenação com a especulação da vida
pelo capital
CONCENTRAÇÃO A PARTIR DAS 14H
em frente ao Teat(r)o Oficina
rua Jaceguai, 520
VEM #PARQUEDOBIXIGA
a alegria é a prova dos 9”
Em seu blog, Zé Celso também faz uma “xamada” para o ato:
“O miolo do Bixiga em ondas de tesão pelos bichos humanos, animais, vegetais, minerais irradiarem por todo o Planeta, criando com Artistas, Movimentos Sociais Únicos, a Primavera do Brasíl de 2017 q dará o Desejo, a Animação pra todos os Desanimados desgolpearem-se dos Golpes de Cada dia dos Podres Poderes. O Rito é dedicado às mãos mais fechadas, ao coração mais duro dos $peculadores para q encontrem a própria felicidade de derrubarem seus muros, para construirmos todos juntos um Brasil decisivo pra paz no Mundo”.