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Liminar atendeu uma ação movida contra a Fundação Gregório de Mattos, responsável pelo espaço onde haveria a apresentação nesta sexta-feira (27): “Retrato desse Brasil, dessas trevas em que a gente está”, ressalta Natália Mallo.
Por Lucas Vasques
Pela segunda vez (a primeira foi em Jundiaí, interior de São Paulo), desde que está rodando o Brasil em temporada vitoriosa, o espetáculo “O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu”, que retrata Jesus como uma mulher trans, foi proibido de se apesentar. Dessa vez, a peça seria encenada no Espaço Cultural Barroquinha, em Salvador, capital baiana. A decisão liminar, da 12ª Vara Civil, atendeu uma ação movida contra a Fundação Gregório de Mattos, responsável pelo espaço onde haveria duas sessões nesta sexta-feira (27), às 18 e às 20 horas. A instituição vai recorrer.
“A primeira vez que isso ocorreu foi em Jundiaí, por liminar judicial, que já foi derrubada, e essa apresentação vai ser remarcada. A segunda foi agora em Salvador. Eu avalio essa decisão como um sinal dos tempos, como um sinal desse Brasil onde não há justiça, onde ela é aplicada com critérios de crença pessoal, de interesses políticos. Nesse caso, é uma sentença totalmente fundamentalista, preconceituosa, que desconhece a história e o conteúdo do trabalho. O juiz sequer tinha competência para julgar esse processo, porque a Vara a qual foi encaminhado não era a correta. Então, ele nem deveria ter julgado. É uma má prática de muitos níveis e é um retrato desse Brasil, dessas trevas em que a gente está”, analisa Natália Mallo, diretora do espetáculo.
Na liminar, o juiz Paulo Albiani Alves aponta justificativas bizarras alegadas pelo grupo que entrou com o pedido de suspensão da peça, como que o espetáculo é “extremamente ofensivo à moral da humanidade, que é em sua grande maioria crente no homem Jesus como filho de Deus”. Além disso, a decisão aponta que o espetáculo “expôs ao ridículo” símbolos como a cruz e o próprio homem. A decisão ainda aponta que a peça “incitou crime de ódio e feriu a liberdade e a dignidade humana”; “a peça é atentatória à dignidade e à fé cristã/católica”; e por aí vai.
O espetáculo já passou por inúmeras cidades, entre elas Belo Horizonte, Porto Alegre, Londrina, São Paulo, Florianópolis, e no interior de São Paulo, São José dos Campos, Taubaté, São José do Rio Preto, Jundiaí, entre outras. “A peça já foi apresentada mais de 80 vezes e a receptividade do público tem sido maravilhosa, lotando todas as sessões, dando grande apoio. Um público muito amoroso, muito engajado, que acaba assistindo como um ato de resistência”, revela Natália.
A diretora da peça destaca que a proibição faz parte da onda de censura que se abateu sobre o país. “Isso responde a interesses políticos. São grupos políticos que não têm pauta, não têm como mobilizar, não podem levantar bandeira contra a corrupção, porque já viram que há corrupção em toda a parte. Agora, descobriram na arte, na censura, uma narrativa que pega, que arrebanha seguidores e que fortalece certos movimentos que estão de olho nas eleições. A isso se soma a presença de líderes religiosos bastante inflamados, violentos e intolerantes na esfera política, como foi o caso aqui de Salvador, com o Pastor Sargento Isidório. Tudo isso somado à questão das redes sociais e como a opinião pública é manipulada por notícias falsas, informações incompletas. É um ataque por todos os lados. Mas, ao mesmo tempo, existe um grande movimento de resistência, de visibilidade que isso gera, para essas questões que têm de ser debatidas”. Durante a semana, havia sido divulgado que o deputado estadual Pastor Sargento Isidório (Avante), que se autoproclama “ex-gay”, tinha ingressado com um pedido de liminar para suspender a apresentação da peça. “Ele publicou um vídeo, que nos insulta, nos ataca e incita o ódio. Ele faz um chamado mesmo a que as pessoas se juntem a ele nesse ataque. Em um país mais coerente, ele deveria ser alvo de um processo por incitação ao ódio e à violência”, conta Natália. Militante A atriz e militante da causa trans, Renata Carvalho (foto), que é uma travesti, é a protagonista do monólogo, que foi traduzido do texto original da inglesa Jo Clifford. Renata cria o passado violento que sofreu e os muitos relatos de abusos sofridos pela comunidade LGBT. A intolerância da pessoa trans é o gancho principal da fala de Renata, que mostra ao público a prática comum da não aceitação e da sexualização dos corpos dessas pessoas. Foto: Divulgação