Para além de enaltecer a valentia do, agora, exilado político, o roteiro do filme de Oliver Stone revela, em cada cena, diálogo e sequência, a humanidade entrecruzada em muitas histórias de vida, em tempos históricos distintos
Por Andrea Caldas
Assisti ao excepcional filme de Oliver Stone sobre a trajetória de Edward Snowden, o rapaz de 29 anos, que abalou a história mundial recente com a corajosa revelação da rede de espionagem internacional dos EUA, operada através das agências oficiais de segurança.
Para além de enaltecer a valentia do, agora, exilado político, o roteiro revela, em cada cena, diálogo e sequência, a humanidade entrecruzada em muitas histórias de vida, em tempos históricos distintos.
Ed é o menino, filho de um oficial da Guarda Costeira, que jurou amar seu país e cresceu acreditando nos ideais dos “fundadores dos EUA”. Dotado de uma excepcional inteligência não conclui o ensino médio, mas, presta exames para a universidade e se alista no Exército para servir à pátria, em plena guerra do Iraque.
No recorte das cenas do tortuoso treinamento militar, o presente encontra o passado na trajetória de dois meninos que, um dia, acreditaram que a guerra era a forma utilizada pelo seu país para “banir do mundo, a opressão”.
A inevitável comparação com o autobiográfico Platoon, de Stone é imediata. Lá atrás, o menino Oliver também se alistou na guerra do Vietnã, acreditando que estava servindo aos ideais de liberdade.
Duas guerras, dois meninos e uma ilusão rasgada nas vísceras de um sistema que serve apenas aos desígnios do poderio econômico. Dois platoons diferentes mas, com objetivos similares.
A normalidade sofrente travestida de amargura ou de cinismo também, reencarna em outra dupla de personagens da “geração anterior.
Stone, na guerra, defrontou-se com a antinomia do sadismo do sargento Barnes e o tortuoso pacifismo do oficial Elias. Snowden, na CIA, foi orientado pelo pragmático Corbin O’Brain mas, é nos enigmas do cubo mágico, presenteado pelo desiludido agente Hank Forrester, que inscreve sua decisão de revelar ao mundo o que acontece nas escuras salas das agências de Inteligência.
Nas lentes de Oliver Stone, a guerra do Vietnã e o 11 de setembro encontram-se, não só como tragédias que marcam duas gerações distintas, mas, como a permanência das farsas que se ocultam na renovada justificativa do combate ao inimigo externo.
É nos intervalos das missões que Snowden descobre, entre risadas e drinques dos colegas de trabalho, que o sistema desenvolvido para identificar “terroristas” tinha abalado um dos mais fortes pilares do "american way of life": a privacidade da vida dos americanos.
O jovem Ed sai clandestino do país que jurou amar e é considerado inimigo da nação porque cometeu um erro: acreditou que os ideias liberais eram possíveis de serem concretizados em um mundo regido por relações desiguais de força e de poder econômico.
Quando se apresenta ao mundo, revela seu maior medo: “que tudo continue igual”. E aqui parece que o cineasta e o personagem falam juntos: e afinal, tudo continua igual ?
Parece que sim. Sim, o mundo continua opressor. E sim, continuamos a ter jovens corajosos que lutam pelos sonhos, mesmo que isto lhes custe sair da zona de conforto e rasgar as ilusões.
Snowden – o filme e o personagem- são encorajadores e apaixonantes.
P.S 1: Lamentavelmente, o Brasil - ainda que tenha sido elencado entre os países vítimas de espionagem-recusou, em 2013, o asilo político a Snowden. A coragem que sobrou ao jovem de 29 anos faltou aos governantes de 21 países para quem ele enviou pedidos de asilo. Hoje, ele vive na Rússia.
P.S 2: O jornalista Glenn Greenwald e a cineasta Laura Poltras, através dos quais Snowden tornou públicas as informações do sistema de espionagem oficial, também, estão fora da “terra da liberdade”, por serem considerados “cúmplices”.
P.S 3- Oliver Stone não perde a oportunidade de divulgar as falas, claramente opostas, de Hillary Clinton e de Bernie Sanders sobre Snowden.
Foto: Divulgação