Escrito en
CULTURA
el
Em entrevista à Fórum, a cantora fala sobre o lançamento de seu primeiro livro, a luta pela igualdade de gênero, a necessidade de promover no país uma discussão séria sobre o aborto e os recentes atos que pedem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que classifica como “uma ignorância sem limites”; confira
Por Maíra Streit
Esta é uma matéria da Fórum Semanal. Confira o conteúdo especial da edição 209 clicando aqui
“A arte é a autoexpressão lutando para ser absoluta”. A frase foi escrita pelo português Fernando Pessoa no início do século XX, mas continua bem atual quando usada para apresentar uma certa baiana criada entre as cores e os ritmos de Pernambuco. Karina Buhr é a essência da arte como símbolo de uma manifestação íntima do mundo, usada para provocar e refletir com a ousadia de quem propõe, o tempo todo, mudar algumas certezas de lugar.
Ela passeia com desenvoltura entre a música, o teatro, o desenho e a escrita. E faz da visibilidade de sua figura um palanque para discutir em sociedade temas tão necessários quanto (ainda) controversos. Mais conhecida por seu trabalho como cantora e compositora – em um estilo com influências que vão desde o maracatu ao punk rock – Karina lançou recentemente o seu primeiro livro, Desperdiçando Rima (Editora Rocco), reunindo poemas, crônicas, cartas e ilustrações.
Nesta entrevista, ela fala sobre a experiência como escritora, a luta pela igualdade de gêneros, a necessidade de promover no país uma discussão séria sobre o aborto e os recentes atos que pedem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que classifica como “uma ignorância sem limites”. Premiada na carreira artística, ela mostra aqui o lado de cidadã preocupada com os rumos da política nacional e também com as discussões conservadoras que impedem avanços importantes na área social.
Confira.
Fórum - Vamos falar de ‘Desperdiçando Rima’? Seu primeiro livro foi um dos destaques da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) neste ano, ficando entre os três mais vendidos. Como foi participar de um evento como esse, ao lado de nomes emblemáticos da literatura nacional e internacional?
Karina Buhr - Foi muito importante esse convite pra Flip com meu primeiro livro. Uma interação entre meu trabalho e de escritores de várias partes do mundo, com enfoques e formas diferentes de escrever. Uma experiência muito rica.
Não estava pensando em quantos livros iria vender, isso foi muito especial também, fiquei bem feliz. E também por conta dos três primeiros livros mais vendidos terem sido livros de poesia, que normalmente são colocados nas últimas prateleiras das livrarias.
Muito especial também ter tido uma mesa na Tenda dos Autores junto com Arnaldo Antunes; também a mesa com Rafa Campos, com foco nas ilustrações, e também a mesa do KD Mulheres?, encontro importantíssimo pra questionar a participação das mulheres em todos os níveis do mercado editorial.
Fórum - Cantora, compositora, percussionista, atriz, escritora, ilustradora. Quantas Karinas cabem em uma só? Essa liberdade criativa vem da sua postura de tentar não se rotular?
Karina Buhr - Não existe essa divisão, sou eu fazendo essas coisas todas ao mesmo tempo, mas também com mais concentração numa ou noutra, dependendo do projeto da vez que eu esteja fazendo. Não tenho uma postura de tentar não me rotular, nem uma postura de tentar me rotular. Essa preocupação não existe pra mim, é mais simples.
Fórum - E quando os rótulos vêm de fora? Você é frequentemente definida como uma cantora alternativa, regionalista, exótica. Isso te incomoda?
Karina Buhr - Não me preocupo verdadeiramente com os rótulos de fora, só acho que eles normalmente são clichês equivocados, que só complicam a vida de quem não conhece o trabalho de alguém e quer conhecer.
O que é ser uma “cantora alternativa”? É alguém que não canta sertanejo? Alguém que ganha menos dinheiro? Esse rótulo não diz nada sobre o som que se faz. “Regionalista” é um rótulo burro, já que trata como regional simplesmente o que não é do Sudeste.
Normalmente tudo o que vem do Norte ou Nordeste do Brasil é classificado como regional, isso vem da ignorância mesmo de muita gente sobre o que é o Brasil e as tantas artes feitas nesse lugar gigante e suas diferenças. “Exótica” não entendo também. Será pelo meu sotaque? Não é exótico, milhões de pessoas falam como eu. É mais um rótulo equivocado e preconceituoso.
Fórum - Essa quebra de estereótipos também tem muito a ver com a sua luta por igualdade de gêneros, ao se afastar dos padrões comportamentais tidos como femininos. Sempre foi assim? Quando esse tipo de consciência tomou forma na sua vida?
Karina Buhr - Nunca me adequei a essa divisão de comportamentos tidos como femininos ou masculinos. Isso é um veneno pra todas as pessoas, não faz bem a ninguém. E me faz mal desde o dia em que nasci, como faz a todas as mulheres e homens. Alguns percebem cedo ou tarde, outros não percebem.
Eu percebo desde criança, lembro de mim muito pequena bastante triste com essa padronização e exigência de tipos de comportamentos e atividades pra meninos ou pra meninas. E isso não mudou drasticamente, embora já tenha melhorado bastante de quando eu era pequena pra hoje.
Fórum - Você esteve recentemente em Brasília, junto a outras feministas, para discutir o PL 882/15, do deputado Jean Wyllys, pela legalização do aborto. O que falta para que esse debate seja realizado no Brasil com a seriedade que ele merece?
Karina Buhr - Falta as mulheres serem tratadas e se tratarem com respeito, como seres humanos e não vasos de planta. Falta a religião ser separada do debate político, que isso não faz absolutamente nenhum sentido. Falta as pessoas que se dizem “contra o aborto” estudarem o assunto e compreenderem que elas fazem com o corpo delas o que quiserem, assim como todas as outras mulheres. As mulheres abortam e abortarão. Todas. De todas as religiões e as sem religiões. Então, esse argumento de “sou contra” pouco importa.
Isso se trata de saúde pública, de mulheres pobres morrendo; se trata também de racismo e basicamente de um machismo avassalador de nossa sociedade. E da ignorância, grande ignorância das pessoas em geral sobre o que é a liberdade de uma mulher, as escolhas dela sobre o próprio corpo, que elas já fazem, só que as que têm dinheiro ficam vivas e saudáveis e as que não têm morrem, ou vão presas, ou ficam com sequelas terríveis.
Fórum - Como você vê as manifestações pelo país que pedem o impeachment da presidenta? E como avalia o fortalecimento da direita e do conservadorismo no Brasil nos últimos tempos?
Karina Buhr - São de uma ignorância e um autoritarismo sem limites. E, basicamente, um plano muito bem sucedido do esquema de grandes empresas, da grande mídia, que comandam o país. E a população cai como pato. O conservadorismo se fortalece de maneira assustadora, isso está intimamente ligado com a mistura nefasta de religião com política que estamos vivendo.
Abaixo, o clipe oficial de Cara Palavra, um dos maiores sucessos da cantora:
Foto de capa: Divulgação