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Estados Unidos encerraram o programa Human Terrain System (HTS), que “infiltrava” antropólogos no exército que ocupou o Iraque e o Afeganistão
Por Laura Gaelx Montero, tradução livre a partir de La Marea
Esta é uma matéria da Fórum Semanal. Confira o conteúdo especial da edição 206 clicandoaqui
Na Era pré-Moderna, junto aos exércitos se seguia um tropel de prostitutas e comerciantes de todo tipo. Hoje, os exércitos profissionais invadem países acompanhados de profissionais “infiltrados”: fotógrafos, câmeras, repórteres... e antropólogos.
O exército dos Estados Unidos colocou em marcha em 2007 um programa polêmico chamado Sistema de Terreno Humano (Human Terrain System ou HTS, em inglês). Trata-se de um corpo de inteligência formado por profissionais das ciências sociais destinado a facilitar a compreensão da realidade local para os comandos militares. “Terreno humano” é o termo utilizado no jargão militar estadunidense para se referir à população da zona onde existe um conflito.
Depois de sete anos de atividade, o Pentágono deu por concluído o projeto. Ainda que não tenha havido comunicação oficial, as fontes situam o encerramento em setembro de 2014. A notícia, que foi conhecida no fim de junho, não teve apenas teve repercussão nos meios, mas foi muito comentada (e celebrada) em fóruns de antropologia.
A origem do projeto se encontra em um artigo publicado em 2005 no Military Review, a revista “acadêmica” do exército americano, como uma solução para o fosso cultural que enfrentava o mesmo em sua invasão do Iraque e do Afeganistão. Em 2007, foi colocado em funcionamento de forma provisória com um orçamento anual de 10 milhões de dólares e em 2011 o HTS chegou a receber 150 milhões para sua manutenção.
A criação do HTS gerou um intenso público nos Estados Unidos. Muitos militares criticaram a incorporação de profissionais das ciências sociais em suas unidades por considerá-los totalmente inoperantes e um fardo para a equipe. Mas a rejeição principal se deu nas instituições acadêmicas e profissionais.
Antropologia a serviço do colonialismo
A prestigiada Associação Americana de Antropologia (AAA) publicou um comunicado, seguido de um detalhado informe igualmente duro, declarando seu total rechaço à iniciativa por considerar que ela implicava uma “violação do código ético da AAA” por parte dos profissionais que fizessem parte do HTS e por se tratar de “uma aplicação inaceitável da prática antropológica”.
O principal motivo da rejeição não era moral mas sim a consideração de que não havia condições necessárias para levar a cabo um trabalho de campo rigoroso. A AAA destacava as consequências negativas – também aplicáveis ao trabalho dos profissionais de comunicação – de que a população local identificasse esses pesquisadores supostamente neutros com o exército que os estava massacrando.
Desde seu nascimento, a antropologia teve que fazer frente à acusação de servir a fins colonialistas. Inclusive citam-se exemplos prévios à sua conformação como disciplina acadêmica, como é o caso do cronista e frei Bartolomeu de las Casas na conquista da América.
Durante a segunda metade do século XIX e a primeira do XX, a antropologia social britânica se desenvolve ao mesmo tempo que o Império avança na África. Independentemente das motivações e interesses de pesquisadores como Evans-Pritchard e Radcliffe-Brown, o certo é que seus estudos sobre as “sociedades primitivas” proporcionaram chaves decisivas para a administração colonial.
Sem dúvida um dos casos mais célebres de conhecimento social a serviço dos interesses bélicos é O crisântemo e a espada, da antropóloga estadunidense Ruth Benedict. Este estudo sobre os padrões culturais japoneses, publicado em 1946, foi fruto de uma ordem direta das autoridades militares, que enfrentaram a árdua tarefa de ocupar um país com códigos em torno da culpa e da honra muito diferentes de seus próprios.
Mas a antropologia também proporcionou muitas ferramentas teóricas para entender as práticas de resistência à dominação cultural, como as que se encontram nas obras de Pierre Bourdie ou James C. Scott. Está nas mãos dos profissionais desta disciplina decidir qual será sua contribuição.
Foto de capa: Tech. Sgt. Efren Lopez, U.S. Air Force