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Jornalista relata a influência política de Vange Leonel e o vácuo que fica com a sua morte precoce
Por Fernanda Estima, no Portal da Fundação Perseu Abramo
Seria mais fácil apostar e ganhar que Vange não gostaria disso, nem das fotos que postei ontem em homenagem a sua passagem por aqui... Me diria, com o mesmo olhar que sempre me destinou, de carinho e simpatia: "menina, não precisa não". Quando Vange apareceu e ficou conhecida eu ainda era menina distante das lutas e pautas sociais. Provavelmente foi a primeira lésbica em minha vida. Fui cantando o "calada noite preta" vida afora até que esta mesma vida cruzou nossos andares.
Passam os anos, saio eu do armário da opressão e aí Vange retorna ao meu viver, com seus textos, suas aparições e palavras espetaculares. Sempre me cativaram a sua postura, franqueza, dignidade e coragem.
Vange deixará saudade naqueles que só souberam dela por causa da música. Vange deixará saudade naqueles que só conviveram com ela por meio de seus textos. Vange deixará muitos amigos que a conheceram por causa da sua atuação nas redes sociais. Vange deixará um mundo todo com saudade e vontade louca de voltar a falar bobagens ou coisas sérias com ela. De ouvir seus conselhos ou os escrachos.
Vange me confortou no dia que recebi a notícia da morte de minha avó. Estávamos todas felizes, saindo da vida internética para fazer a vida vivida, existir de verdade. Bebíamos e falávamos de tudo naquela noite, no Bar Tubaína, até o telefone tocar. Toda a mesa foi solidária com minha perda, no entanto, Vange se levantou, veio até mim e ofereceu carinho e atenção. Vange é uma pessoa pra lá de especial e atenciosa e preocupada e gentil.
Nosso último encontro não poderia ser diferente: na passeata do 8 de março, dia de luta das mulheres, entre as lésbicas feministas, entre as variadas mulheres. Estar próxima a ela me fortalecia e fazia ter vontade de ir em frente. Falar com ela sempre serviu de ânimo para os momentos de desespero.
Foi bom ter você por perto, Vange! Sua passagem por aqui sem dúvida ajudou muitas de nós. Cantora, ativista, escritora, autora de alguns bons livros e de um texto muito interessante no livro da Editora Fundação Perseu Abramo, "Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil".
No artigo, ela foi categórica, como era em qualquer espaço no debate sobre opressões: "não há como falar de lesbofobia, ou sequer de homofobia, sem expor o sexismo que permeia quase todas as relações sociais. O machismo está na base de toda discriminação por orientação sexual." Como não ter Vange como alguém que inspire nossa luta?
Faço minhas as palavras da ministra Eleonora Menicucci: "Lamento profundamente a morte da cantora Vange Leonel. Lamento pela perda de uma mulher ousada, corajosa e ícone da luta pelos direitos das lésbicas e gays. É uma perda imensa para o movimento de mulheres, feministas e para todas e todos que lutam pela igualdade. Expresso meus sentimentos, como ministra e amiga, à sua companheira, à sua mãe, familiares, amigos e admiradores".
Fernanda Estima é jornalista e esteve em algumas batalhas internéticas com a lutadora Vange Leonel.