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O músico se sente uma persona non grata por causar um "ciúme irracional" e tem medo de suas certezas e composições. Só mesmo Otto para ter medo de Otto
Por Anna Beatriz dos Anjos e Isadora Otoni, da Fórum Semanal
Otto se prepara para lançar mais uma obra de arte. Como qualquer artista que preza por seu produto, o tempo livre é dedicado a isso. Portanto, as curiosidades de Fórum sobre o cantor precisaram ser respondidas por e-mail, provavelmente em um aparelho móvel, já que muitas palavras foram distorcidas por um possível autocorretor. Ainda assim, são perceptíveis os variados níveis de empolgação em cada assunto abordado por Otto, até por conta das onomatopeias que utiliza – e que fizemos questão de manter, do jeito que ele escreveu.
Seu próximo álbum, Ottomatopeia, tem um desafio: conseguir superar a qualidade de Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos. Otto aposta que seu novo lançamento se sairá melhor, ou pelo menos transbordará personalidade. Se ele estiver certo, apostamos em um álbum politicamente consciente, mas passionalmente inconsciente.
Confira na íntegra a entrevista que o pernambucano nos concedeu, entre viagens do Rio de Janeiro (onde vive) a São Paulo e preparativos para o novo CD.
[caption id="attachment_1895" align="alignright" width="396"] Tirar a camisa não é uma dificuldade para o cantor (Foto: Divulgação)[/caption]
Fórum – Em que aspectos Ottomatopeia reflete a sua atual fase pessoal e musical?
Otto – Ottomatopeia é uma referência às minhas criações, à forma de compor, aos elementos que surgem. É emenda das minhas indagações de homem contemporâneo. Ele vem dos eternos momentos que a vida é. Surge de uma composição madura. Celebra vida. Esperança. Vem disso! É um encontro de trabalho, de música. Minha parceria com Pupillo, meu produtor, com Catatau [Fernando Catatau, guitarrista], Kassin, Olivetti [Liconln Olivetti, responsável pelos arranjos], que estarão junto mais uma vez. É a maneira que encontrei de demostrar minha vontade através da música, da composição. Ottomatopeia sou eu e o meu universo! Estamos com mais de 80% do álbum. Só preciso passar para o estúdio e arranjar! Fim do ano terei finalizado uma boa parte.
Reflete, na experiência, na minha gira de cantor, meus encontros. E principalmente o estado de espirito de um homem mais maduro e por isso muito jovial. Amor, paz, paciência e grooves.
Fórum – A crítica diz que sua obra prima é Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos. Você concorda? Entre os seus trabalhos, há algum que é o seu "xodó"?
Otto – O xodó sempre é o caçula, mas tenho um profundo respeito pela igualdade de todos. Talvez ao meu primeiro ainda não tenha nascido um igual. Mas vem todo dele.
Fórum – No último mês, ocorreram, em várias partes do Brasil, reedições da Marcha da Família com Deus pela Liberdade. O que você pensa sobre isso?
Otto – Acho, sinceramente, que a certeza de que não voltaremos mais às extravagâncias e as injustiças passadas já está consumada. Precisamos conter os ânimos destes constrangedores irracionais, e isso ocorre sempre com a democracia. Ninguém precisa de tirania. Temos outro modo de administrar uma sociedade plural. Somos livres, democráticos, pacíficos. Somos um grande continente democrático. Mesmo que tenhamos um longo caminho para espantar o terror medíocre. Somos outros tempos. Melhores, mais abertos e plurais!
Fórum – Provavelmente, Recife foi o local onde houve menor adesão à marcha – 6 pessoas compareceram e viraram até meme na internet. Por que acha a capital pernambucana não seguiu a tendência de outras cidades brasileiras, como São Paulo, onde cerca de 500 pessoas foram às ruas pedir pelo fim do comunismo e por uma nova intervenção militar?
Otto – Talvez por que sejamos revolucionários de intenções nobres. Somos ligados a uma severidade, mas na verdade, apoiamos um todo. Recife imortal, Pernambuco justo! Rsrs.
É difícil de explicar, mas estamos crescendo muito nestas últimas décadas. E a política movimenta verdadeiramente o âmago pernambucano! Temos lógica própria e isso nos afirma constantemente no mundo.
Fórum – Na sua opinião, em Recife há maior mobilização e engajamento político do que no resto do Brasil?
Otto – Em Recife, nosso maior engajamento é vencer e sobreviver. Ser diferente, diverso e ser igual para todos. Um verdadeiro umbigo do mundo! Rsrsrs.
Fórum – Em entrevistas recentes, você vem chamando a atenção para a degradação urbana e ambiental que Recife tem sofrido. A culpa é de quem?
Otto – A culpa é do tempo e das escolhas. Em Recife já não cabem mais carros e viadutos. Falei muito sobre os viadutos, sobre a Agamenon Magalhães [avenida, no centro da cidade], nossa ligação com Olinda, nossa avenida criada com urbanismo de Burle Max. Eu quase morri com a possibilidade de construir mais concreto lá.
Acho que Recife tem uma máquina de expansão muito voltada ao lucro, e a política também participa deste jogo cruel. Precisamos estar atentos. É uma cidade em que só se pode intervir com metrôs e ciclovias. Concreto e carro já passou do limite. Então temos que estar muito atentos, pois para construir se consegue muito rápido. Depois somos nós, recifenses, que perdemos a qualidade de vida, a cultura, o bem estar. O Edifício Caiçara foi uma afronta, uma operação muito traiçoeira.
[caption id="attachment_1898" align="alignleft" width="353"] "Eu sempre estou perto de decisões femininas. Elas realmente enfrentaram duras custas" (Foto: Divulgação)[/caption]
Fórum - Há algumas semanas, a atriz Lucélia Santos virou alvo de comentários maldosos por ter sido flagrada em um ônibus no Rio. Por que, no Brasil, há tanta glamurização dos artistas?
Otto - Lucélia é uma mulher sensacional e a atitude dela eu acho que surgiu para fortalecer o bom senso. É chato, mas a deficiência e os cartéis do transporte público ainda não acabaram . A má qualidade deles é o fator do apartheid social. No maior dos males, serviu para que outras pessoas sigam o exemplo de Lucélia. E que se explora a conjunção do escândalo na imprensa marrom. Sem bullying ganhamos todos. Nelson Rodrigues perseguindo a musa!
Fórum – Você acha que falta engajamento à classe artística brasileira?
Otto – Cara, a classe artística brasileira se engaja o tempo todo nas veias da verdadeira arte. Somos maiores, imbatíveis no quesito cultura do povo. Agora, existe a sobrevivência e a profundidade de todos eles. E aí tu colabora com o ofício, com tua arte, com a beleza. Ou tu vai trabalhar tua carreira. Tu vai se vender. Quando se vende não há questionamento. Há uma catarse de alegria e melancolia, sem verso.
Fórum – Mudando de assunto. As discussões sobre direitos das mulheres têm avançado no Brasil, na sua opinião?
Otto – Acho que não é o direito da mulher, é uma reparação, que não se justifica hoje em dia. A mulher deu exemplo pra o homem mudar. Deu a chance de nos civilizarmos. Eu sempre estou perto de decisões femininas. Elas realmente enfrentaram duras custas.
Já vi minha mãe apanhar e corri e enfrentei meu pai. Juro que nunca mais esqueci que um homem é uma atitude só. Respeitar, ser nobre. A mulher é que manda, pode estar certo. Senão você não dorme! Rsrsrs.
Fórum – Em algumas entrevistas recentes, você chegou a comentar que "se sente banido do Clube do Bolinha" pois seus interesses estão mais relacionados ao universo feminino. O fato de não se interessar por "assuntos masculinos" já te impôs algum tipo de barreira, alguma vez?
Otto – Meus assuntos masculinos estão ligados a meu ofícios, minhas parcerias. Tenho grandes amigos que são verdadeiramente homens de atitude, de respeito. Sabemos ser homens e é isso que faz o mundo girar. Sei entender perfeitamente a masculinidade independente do sexo. É lindo o homem, o macho, o menino. Não é que é banido. Mas sei que passo um ciúme irracional e às vezes me sinto persona non grata. Mas tudo bem, talvez seja eu mesmo, este ser sem controle, com muita energia. Tenho medo de mim mesmo! Principalmente das certezas, das composição, do acaso!
Fórum – Qual o papel das mulheres na sua vida?
Otto – O papel das mulheres neste filme chamado vida é criar, amar, ser mãe , ser dona, ser tudo, até freira, não existe papel certo pra mulher. Existe amor respeito. A mulher é um deus de saia! Rsrsrsrsrsr.
Foto de capa: Divulgação