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Por Igor Carvalho
[caption id="attachment_35022" align="alignright" width="360"] Poeta Sérgio Vaz: há 12 anos levando literatura para mudar a quebrada (Foto: Sâmia Teixeira)[/caption]
Enquanto Vila Medeiros queimava em protesto pela morte de mais um jovem na periferia assassinado por um policial militar, a Cooperifa encerrava, do outro lado da cidade, na zona sul, sua 6º Mostra Cultural. Durante o evento, o coletivo celebrou seus 12 anos de existência, ainda sem saber que havia perdido mais um jovem.
“Eu não quero mudar o mundo, eu quero mudar a quebrada”, assim, inúmeras vezes, me disse Sérgio Vaz. Dessa forma, o poeta ajudou a transformar o destino certo de tantos jovens que passavam suas tardes e noites em bares e amontoados em praças, não porque sejam os melhores lugares do mundo, mas porque costumam ser as únicas opções de lazer na periferia. De DJ Lah a Douglas, quantos não morreram na porta de um bar?
A Cooperifa, então, reconhecendo o problema dos espaços culturais, criou o seu próprio ponto de cultura e ressignificou o boteco. O Bar do Zé Batidão, hoje, é a casa da poesia no Jd. Guarujá, zona sul da capital. Quantos saraus, de Elo da Corrente até o Perifatividade, não mudaram a quebrada ocupando os bares? Ou nas praças, como Emerson Alcalde fez na Vila Guilhermina, zona leste, com o seu Slam.
[caption id="attachment_35023" align="alignright" width="360"] Izzy Gordon: 20 anos de carreira (Foto: Sâmia Teixeira)[/caption]
Depois da experiência da Cooperifa, mais de 30 saraus estão por aí, nas periferias. Mas, em Vila Medeiros, não havia nenhum. Quem poderia modificar o destino da bala que fez morada no corpo de Douglas? PM de tantos tiros acidentais, que são exatos em apenas uma coisa, o CEP da vítima: A Peri-Feria, de Rodrigo Ciríaco, um dos poetas descobertos nos saraus da Cooperifa.
Mas sei lá, talvez Douglas quisesse ir ao cinema. Há cinemas em Vila Medeiros? Ou ele preferisse ir ao teatro, há algum por perto? Quem sabe ele gostasse da ideia de ir a um museu? Será que tem?
Na segunda-feira (28), enquanto via o povo ocupar a rodovia que leva o nome do bandeirante escravocrata, pensei: “Por que você não foi na Cooperifa, Douglas?”
Teve a Izzy Gordon, comemorando 20 anos de carreira, cantando Ray Charles e Aretha Franklin. Teve Chico César pedindo aos brancos respeito lembrando de sua cigana analfabeta que leu a mão de Paulo Freire. Não sei se você já namorava, mas tantos casais se embalaram nas toadas românticas do paraibano, como “Pensar em você”.
[caption id="attachment_35025" align="alignright" width="360"] Chico César no show que lotou a Casa de Cultura M'Boi Mirim (Foto: Sâmia Teixeira)[/caption]
Depois veio o Edi Rock. Ele cantou “That’s My Way”, Douglas. Você deve ter cantado com ele, na rádio. Relembrou sucessos dos Racionais MC’s, muita gente cantando junto e balançando os braços. Para encerrar, Zeca Baleiro. O maranhense fez um show bem rock’n roll, 1h30 em cima do palco, banda completa e o cara veio sem cobrar um tostão. Douglas, tinha que ver quando ele cantou que “a alma não tem cor”.
Muita gente chorou quando acabou o show. A Cooperifa inteira no palco. Sérgio Vaz de punho cerrado para o alto. No meio da euforia, alguém gritou o nome do Sabotage, outro, do DJ Lah. Nessa hora, um emocionado Baleiro pegou o microfone e disse: “Eu fiz quatro shows essa semana, mas nenhum foi mais especial do que esse.”
Eram 23h53 quando acabou, mas ninguém queria ir embora. Douglas, eram dois mil “Douglas” que lotaram a Casa de Cultura do M’Boi Mirim. Quem sabe, se você tivesse em sua quebrada uma Cooperifa, ainda estivesse por aqui? Nos calou mais uma boca, a polícia paulista. Douglas nunca vai responder minha pergunta.