Dizer ‘prefiro Joyce a Paulo Coelho’, por exemplo, demonstra total incompreensão de ambos: pilar da obra joyceana é a permeabilidade mas também a irredutibilidade entre cultura popular e cultura erudita
Por Idelber Avelar
Um dos efeitos mais daninhos do abismo de letramento existente na sociedade brasileira entre aquela ínfima minoria que maneja os códigos da cultura erudita e a esmagadora maioria iletrada tem lugar não naquela nem nesta ponta do espectro, mas na fatia comumente chamada em inglês de midbrow, ou seja, o leitor não-especializado, geral, consumidor de revistas e jornais, mas não necessariamente familiarizado com os códigos da cultura erudita (lembrando, pra começar a conversa, que no Brasil é praticamente impossível usar esses conceitos – erudito, de massas, midbrow – sem ser acusado de hierarquizá-los, como se eles fossem categorias morais e não conceitos sociológicos). Em sociedades onde o letramento foi mais universalizado – não falemos dos países do Atlântico Norte, limitemo-nos à Argentina, nação mais comparável à nossa –, o leitor midbrow tende a se relacionar, creio eu, de forma menos angustiada com os códigos, tanto da cultura erudita como da cultura de massas. Em sociedades como a nossa, onde há um abismo de letramento, uma das formas através das quais o leitor midbrow tenta aceder a certa distinção associada com a cultura erudita é no ataque sistemático às formas da cultura de massas. Demonstrar desprezo pelo funk carioca ou pelo tecnobrega constroi, imaginariamente para o leitor midbrow, alguma comunhão com a esfera da cultura erudita da qual ela está, na maior parte do tempo, excluído.
É isso que está em jogo num dos esportes nacionais: atacar, vilipendiar, desprezar e achincalhar Paulo Coelho.
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