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Nada mais pueril do que procurar algo como uma música pós-moderna. Se quisermos pensar em um compositor que alia crítica das exigências de totalidades funcionais, hibridismo e referências e citações, nosso pensamento irá diretamente a Stravinski.
[caption id="attachment_14236" align="alignright" width="240" caption="Para mostrar-se consciente das mutações maiores da sensibilidade contemporânea, era necessário falar de uma “literatura pós-moderna”, de um “cinema pós-moderno” e de uma “música pós-moderna”"][/caption]
Por Vladimir Safatle
Publicado por Carta Capital.
Uma dos pressupostos mais arraigados do pensamento contemporâneo sobre as artes consiste na defesa de que nossa era seria caracterizada como pós-moderna. No campo artístico, tal discussão encontra sua origem nos debates sobre arquitetura, onde era questão de afirmar a obsolescência de uma matriz construtiva baseada na centralidade das exigências do plano, da forma e da função.
A distância entre a funcionalidade dos prédios de Le Corbusier e o jogo livre de formas de alguém como Michael Graves seria medida pela diferença entre o modernismo e o pós-modernismo. Nesse sentido, o pós-modernismo seria caracterizado pela liberdade formal que se distancia das exigências de totalidades funcionais, pelo hibridismo das referências e citações, assim como pela atitude irônica e paródica a respeito do peso tanto das tradições quanto da própria “tradição da forma crítica”.
Rapidamente, a discussão proliferou da arquitetura para o domínio das outras artes e daí para uma teoria geral das sociedades do capitalismo avançado. Para mostrar-se consciente das mutações maiores da sensibilidade contemporânea, era necessário falar de uma “literatura pós-moderna”, de um “cinema pós-moderno” e de uma “música pós-moderna”. Isso a despeito da brutal incongruência das descrições.
Pois ao se falar do pós-modernismo, pressupunha-se que o termo desse conta tanto de um período histórico (a arte de que viria temporalmente após o modernismo) quanto de uma característica estilístico-formal (a arte cuja forma já não podia ser compreendida a partir do cânone modernista). Se esta sobreposição parecia dar conta de um movimento interno no campo da arquitetura, ela não se demonstrava, porém, tão profícua na análise de outras linguagens artísticas.
Por exemplo, nada mais pueril do que procurar algo como uma música pós-moderna. Se quisermos pensar em um compositor que alia crítica das exigências de totalidades funcionais, hibridismo e referências e citações, assim como atitude paródica a respeito dos materiais musicais, nosso pensamento irá diretamente a Igor Stravinski.
Os clássicos estudos do filósofo Theodor Adorno sobre o compositor de Pulcinella acabam por fornecer, de maneira involuntária, a primeira imagem de um “artista pós-moderno”. Stravinski é, no entanto, juntamente com Schoenberg, Debussy e Bartok, um dos pilares do modernismo musical. Ele demonstra como o modernismo musical era composto de várias tendências que iam da defesa estrita da autonomia (como em Schoenberg) ao uso deliberado da montagem e da paródia.
Fazer colocações dessa natureza talvez seja uma maneira de insistir na verdadeira natureza tática do uso do conceito de “pós-modernismo”. Longe de um conceito descritivo, que visaria individualizar estilos e épocas, o que temos é um conceito valorativo que procura afirmar um estado de coisas no qual as aspirações críticas do modernismo pareciam ter perdido força. Ele era a peça central na tentativa em transformar a deposição da força crítica da arte em afirmação descomplexada da cumplicidade entre arte e ordem estabelecida.
Pois, por exemplo, a crítica ao “formalismo” da arte modernista era sempre feita em nome da afirmação da cumplicidade da arte com os domínios mais fetichizados da cultura (como as histórias em quadrinhos, a moda, a música pop, a pornografia etc.).
Jeff Koons e seus amigos do grupo neo-geo são exemplos maiores de artistas dessa natureza. Por sua vez, a afirmação da força paródica no interior dos processos de criação era vendida como expressão da autonomia de uma individualidade que não precisava mais limitar sua inventividade por meio do respeito ao cânone. Tal força paródica era, porém, uma maneira astuta de submeter todo e qualquer material aos mesmos procedimentos, como se fosse questão de uma profunda indiferença em relação a uma história que, agora, parecia se submeter à forma geral da equivalência. Ou seja, a paródia era modo de dissolução de toda singularidade em prol da posição de uma insensibilidade geral a todo e qualquer material, que poderia a partir de então associar-se com todo e qualquer outro.
Nessas estratégias estavam a tentativa de uma época em transformar suas limitações em motivos de celebração. Por sorte, essa época não precisa mais ser a nossa.