Enquanto a pandemia do coronavírus segue produzindo recordes diários de mortes no Brasil, o ritmo da vacinação contra a Covid a nível nacional ainda é lento. Até a noite desta quinta-feira (8), segundo dados compilados das secretarias de Saúde, 22.170.108 pessoas tinham recebido a primeira dose de um dos imunizantes, que são a Coronavac e a vacina da AstraZeneca produzida pela Fiocruz. Esse número representa apenas 10,47% da população brasileira.
Esse índice, entre 10% e 15% da população, inclusive, é o que prevalece na maior parte das capitais brasileiras. Exceto Belém (PA). A capital paraense lidera o ranking de vacinação no Brasil, com 22,4% de sua população já tendo tomado a primeira dose. Segundo levantamento feito pelo jornal Zero Hora, a segunda cidade que mais está vacinando contra a Covid no país é Vitória (ES), com a primeira dose aplicada em 17,70% da população, e a terceira é Porto Alegre (RS), com índice de imunização para a primeira dose em 17,50%. Todas as outras capitais brasileiras apresentam índice de vacinação abaixo dos 15%.
Fórum conversou com o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), para entender o motivo pelo qual a cidade, apesar de seguir o Plano Nacional de Imunização (PNI), apresenta índice de vacinação tão superior às demais capitais brasileiras. Segundo o mandatário municipal, isso se deve à eficiência de sua equipe de saúde aliada à articulação conjunta entre a prefeitura de Belém e de cidades da região metropolitana, além do governo estadual.
"Uma coisa é a equipe técnica de alto nível, um grupo bastante treinado e preparado, um exército de quase mil pessoas, com 90% de mulheres, o que já faz uma diferença significativa com o grau de dedicação. Não temos nenhuma denúncia que comprometa o processo, algum funcionário, alguma autoridade burlando a lista querendo se vacinar. Isso é muito importante. Há lisura no trabalho", avaliou Rodrigues.
O prefeito aponta ainda a "força política" de sua gestão, que conseguiu estabelecer o entendimento de que Belém, por inúmeros fatores, deveria receber mais doses que outras regiões do estado. Ele explicou que o sistema municipal é a porta de entrada para a estrutura de saúde do estado. "A demanda de internações foi aumentando e mostramos para o comitê com o governo do estado, com força política, que era um problema regional e que havia necessidade de conter, criar uma barreira epidemiológica. E aí houve uma decisão política de que, considerando o risco, nós teríamos um número de vacinas um pouco maior com relação a outras regiões do estado. Exatamente com isso conseguimos avançar para a faixa de 60 anos [na vacinação], quando se considera idade. Mas muitas pessoas mais novas já foram vacinadas, ou porque são coveiros, ou porque são da área da saúde, ou são da área da segurança, e aqui a área da segurança já foi uma decisão do próprio governador", pontuou.
Além disso, Rodrigues afirma que o lockdown implantado na cidade por duas semanas, seguido de uma classificação de bandeira vermelha um pouco mais flexível, mas ainda com inúmeras restrições, contribuiu para que a prefeitura tivesse um "controle do processo" e pudesse "planejar melhor a política de imunização".
A situação, porém, ainda é preocupante e exige cuidados, segundo o prefeito. A boa notícia é que o índice de infecção em pessoas de 90 anos ou mais, que já receberam as duas doses da vacina e passaram pelo tempo necessário para adquirir a imunidade, reduziu consideravelmente.
"Como tem aquele período entre primeira e a segunda dose, tivemos o resultado apenas da faixa de 90 anos ou mais. Há uma população idosa muito grande em Belém. E, felizmente, a redução foi muito significativa do nível de infecção segundo estatísticas baseadas nos dados oficiais e um trabalho de inteligência artificial feito pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Essa análise da inteligência artificial também dizia que no dia 8 de abril seria o dia do pico em Belém e, a partir daí, haveria uma estabilização e uma redução [de casos de Covid]. Esperamos que seja em curva descendente acentuada. Já está se demonstrando uma estabilização", revelou.
Na entrevista, o prefeito falou ainda sobre os esforços no âmbito social e da economia que sua gestão vem encampando para atenuar os efeitos da crise, como o programa de distribuição de renda "Bora Belém", e também das articulações com outras prefeituras para adquirir mais imunizantes através da Frente Nacional de Prefeitos e do Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras (Conectar).
Segundo Rodrigues, ele participou de uma reunião, na manhã desta sexta-feira (9), com representante russo para viabilizar a aquisição da vacina Sputnik V para os 2.600 municípios que compõem o Conectar. Ele frisou, inclusive, que a Rússia não está disposta a negociar a venda de imunizantes com empresas, mas apenas com instituições públicas - posicionamento que ele defende.
"Não tem por que fazer uns mais cidadãos que outros. Não tem por que um país que tem uma tradição como a nossa, de mais de um século com política de imunização respeitado no mundo inteiro, dar o poder a empresas de transformar vidas em negócios. Porque no fundo é isso", disse o prefeito sobre o projeto aprovado recentemente na Câmara que legaliza a compra de vacinas por parte da iniciativa privada para imunizar seus funcionários.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.
Fórum - Prefeito, Belém é a capital que mais vacina no Brasil, com 22,4% da população já tendo tomado a primeira dose. Apesar da cidade seguir o Plano Nacional de Imunização (PNI), há uma destaque claro, visto que, para além de Belém, nenhuma capital chegou ao índice de 20% e a maioria delas está na faixa entre 11% e 14% da população imunizada. A o que o senhor credita essa velocidade maior da vacinação por aí?
Edmilson Rodrigues - Uma coisa é a equipe técnica de alto nível, um grupo bastante treinado e preparado, um exército de quase mil pessoas, com 90% de mulheres, o que já faz uma diferença significativa com o grau de dedicação. Não temos nenhuma denúncia que comprometa o processo, algum funcionário, alguma autoridade burlando a lista querendo se vacinar. Isso é muito importante. Há lisura no trabalho.
Outra coisa é a relação com os prefeitos da região metropolitana e com o comitê com o governo do estado. Quando a gente ganhou força política para propor, na medida em que aqui começou a agravar, nós provamos com os dados de novembro para março que houve um crescimento de 392% da demanda [de internações], mostramos que a porta de entrada do sistema são os municípios, e que mesmo que o estado esteja com hospitais de retaguarda, o que é muito importante, a gente há de entender que sempre que o cidadão tem um problema ele procura a rede da prefeitura, as Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronta Atendimento (UPA), e isso, então, criou uma situação, começou a apontar número de pessoas em lista de espera, com respirador, mas já necessitando de leito de UTI. Essa demanda foi aumentando e mostramos para o comitê, com força política, que era um problema regional e que havia necessidade de conter, criar uma barreira epidemiológica. E aí houve uma decisão política de que, considerando o risco, nós teríamos um número de vacinas um pouco maior com relação a outras regiões do estado. Exatamente com isso conseguimos avançar para a faixa de 60 anos [na vacinação], quando se considera idade. Mas muitas pessoas mais novas já foram vacinadas, ou porque são coveiros, ou porque são da área da saúde, ou são da área da segurança, e aqui a área da segurança já foi uma decisão do próprio governador. Ele disponibilizou, além das vacinas que a prefeitura já tinha para essa área, um número maior, o que permitiu que nós vacinássemos policiais civis, militares, bombeiros e a própria Guarda Municipal, em um alto índice de vacinação.
Eu creio que essas questões [que fazem Belém ser a cidade que mais vacina]: a qualidade técnica, o engajamento dos servidores públicos e ao mesmo tempo as decisões que tomamos de isolamento. Tivemos lockdown por duas semanas, e quando saímos do lockdown mantivemos a bandeira vermelha, mas com tantas restrições que quase não diferenciou do lockdown. Com isso tivemos um controle do processo e pudemos planejar melhor a política de imunização.
Fórum - O senhor compõe a Frente Nacional de Prefeitos e é vice presidente do Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras (Conectar), que pretendem se articular para adquirir vacinas aos municípios de forma conjunta. Como estão essas articulações?
Edmilson Rodrigues - Hoje, às 7h da manhã, nos reunimos um representante da Rússia, Vladimir Pirak, que é o único autorizado pelos laboratórios que produzem a Sputnik a negociar com qualquer agente. Nessa reunião, ele nos disse: não negociamos com nenhuma empresa. Quem aparecer vendendo vacina Sputnik está mentindo. Ele é o único autorizado e negocia com instituições públicas. Semana que vem teremos uma nova reunião onde ele vai trazer a possibilidade, com base na consulta que ele iria fazer com o setor de produção, de nos oferecer um volume de vacinas, que seriam comprados não por um município individualmente, mas por 2.600 municípios que compõem a Conectar. Na semana que vem teremos uma posição. Eles receberam ainda ontem, segundo esse representante, o governo federal, que encomendou 100 milhões de doses pro ano que vem, e cerca de 60 milhões ainda para esse ano. Mas, apesar de ter o contrato, não há nenhuma possibilidade de produzir isso em um mês. Eles vão, naturalmente, entregar de forma gradativa, mesmo tendo 7 laboratórios em território russo, 2 no exterior, e tendo mais 1 na Argentina 1 no Brasil, que da União Química, prestes a ser instalado se houver autorização. O que pode ajudar, inclusive, nessa negociação que estamos fazendo. Estamos procurando vários laboratórios. Na verdade, todos os laboratórios.
Fórum - Por falar em Sputnik, governadores, como Flávio Dino, já anunciaram que vão acionar o STF caso a Anvisa demore mais para autorizar a aplicação da vacina no Brasil. Como o senhor avalia essa questão, visto que o imunizante russo já é aplicado e foi referendado por inúmeras agências mundo afora?
Edmilson Rodrigues - Eu não creio que seja um problema ideológico. A despeito do governo federal a Anvisa é uma agência, tem uma certa autonomia, creio que vai ser solucionado. Os laboratórios devem ter interesse também de esclarecer tudo. Se a documentação não está completa, o Congresso Nacional até definiu um prazo bastante curto para isso... Eu acho que isso já está sendo resolvido segundo informações que tive na reunião de hoje. E aí a Anvisa não vai mais ter argumento para adiar a decisão. Essa é minha visão otimista.
Se for entendido que há uma procrastinação, creio que a Frente de Prefeitos, a Conectar, devam avaliar alguma ação no sistema de Justiça.
Fórum - Prefeito, qual a situação atual do ritmo de internações e mortes por Covid em Belém? A velocidade acima da média na vacinação já vem surtindo algum efeito?
Edmilson Rodrigues - Como tem aquele período entre primeira e a segunda dose, tivemos o resultado apenas da faixa de 90 anos ou mais. Há uma população idosa muito grande em Belém. E, felizmente, a redução foi muito significativa do nível de infecção segundo estatísticas baseadas nos dados oficiais e um trabalho de inteligência artificial feito pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Essa análise da inteligência artificial também dizia que no dia 8 de abril seria o dia do pico em Belém e, a partir daí, haveria uma estabilização e uma redução [de casos de Covid]. Esperamos que seja em curva descendente acentuada. Já está se demonstrando uma estabilização.
No entanto é sempre muito preocupante e até assustador para quem está no governo. Tive um período de mal sono, muito preocupado com tudo como está. Porque fizemos tudo o que era possível, criando 16 clínicas dessas de campanha, 4 consultórios, uma área de espera, isso vinculado a unidades de saúde.
A boa notícia: ontem, bairro Terra Firme, um bairro muito tradicional e populoso, não houve nenhum caso detectado de Covid na UPA que atende milhares de pessoas todos os dias.
Belém é um município pobre, com queda de arrecadação, com política fiscal. Para não gerar desemprego nós tivemos que fazer aqui deferimento fiscal, definir um pacote fiscal para que as empresas consigam se manter sem demitir, ao mesmo tempo que têm que obedecer ao lockdown. Aqui nós temos grandes empresas que dominam quase 100% do PIB, as mineradoras, madeireiras, agronegócio, mas temos uma economia muito frágil. Temos 98% das empresas classificadas como micro, pequenas ou médias. Tivemos que prorrogar por três meses a validade das certidões, parcelar dívidas de ISS, o próprio IPTU a partir agora já vai permitir uma redução de juros bastante significativa e um parcelamento bastante generoso para que não haja inadimplência. Mas, também, por 90 dias não entraremos com nenhuma nova ação de execução fiscal. Tudo isso tem uma repercussão em um momento de crise financeira do país, recessão econômica, diminuição de repasses a municípios, em uma cidade que já é pobre.
Mas nós estamos pensando a necessidade de combater a pandemia, de salvar vidas. Para nós, essa dicotomia de "ou investe na economia, mantém empresas funcionando, ou investe na saúde", não existe.
Aqui nós estamos fazendo política fiscal, investindo em microcrédito, fomento de atividades, cooperativas populares, e ao mesmo tempo estamos combatendo a fome com o programa Bora Belém. Detectamos, nas 108 mil famílias do Cadastro Único, 22 mil que ou estavam classificadas como miseráveis ou extrema miséria. Ou seja, aquela faixa que ganha até 79 reais ao mês, ou 179 reais. E dentro dessas 9 mil, cerca de 700 famílias dirigidas por mulheres com até 11 filhos.
O governador, quando lançamos, quis fazer parceria. Pra cada 1 milhão que a gente entra o governo entra com outro. Então, a gente projetou 60 milhões de reais para esse ano e estamos fazendo busca ativa porque havia fraude no cadastro que a prefeitura passada fez. Montamos um exército com 60 funcionários para visitar as casas cadastradas. Esse grupo tem conseguido fazer um trabalho intenso, mas infelizmente detectamos casas com dois carros, proprietários de comércio, e aí a gente desliga do cadastro. Infelizmente é um número bastante significativo. Estamos fazendo uma auditoria para poder garantir 450 reais para quem tem 4 filhos, 350 para quem tem 2 e 3 filhos, e 150 para quem tem 1 filho. É o que cabe dentro de 60 milhões. Queríamos poder fazer mais, mas já é bastante significativo.
É economia, é política social, é investimento em saúde e é a política de pedagogia do isolamento como necessidade de conter, ou mesmo a correção através de decreto e fiscalização.
Acho que hoje o principal dilema é a questão de médicos. A gente faz PSS [Processo Seletivo Simplificado], tem uma disputa de enfermeiros, técnicos de enfermagem, mas só para ter uma ideia, dos 30 médicos que se inscreveram, só 1 assinaram contrato.
O STF decidiu que somente com diploma com revalidação [via programa Revalida] é que pode ser contratado. Se eu contrato, estou prevaricando. Então, nós temos esses cuidados. Mas gostaria muito de poder contratar médicos cubanos e outros estrangeiros que moram em Belém e trabalharam no Mais Médicos. Queríamos ter essas pessoas. São bons médicos mas infelizmente a decisão do STF em favor do Conselho Federal de Medicina inviabiliza. Esse é nosso dilema.
Mas, graças a nossa ação coletiva, conseguimos colocar um ritmo menor e que está levando a gradativamente ter um numero menor de infecções, o que vai nos dar folego para administrar a pandemia.
Fórum - Qual sua opinião sobre a determinação do ministro Luís Roberto Barroso para que o Senado instale a CPI da Covid para investigar a postura do governo no enfrentamento à pandemia?
A CPI da Covid eu acho justa. Se eu ainda fosse deputado, estaria na campanha para que ela fosse implementada. Agora, eu acho que, no momento que a gente critica a pressão do presidente da República às instituições do Estado brasileiro, inclusive, a tentativa de neutralizar o Legislativo e o próprio Judiciário, não é justo que um ministro, de forma monocrática, se dê o direito de impor a um outro Poder uma decisão. Então, mesmo que eu defenda a CPI, não acho correto que um ministro monocraticamente tente impor a um outro Poder qualquer coisa. Essa é a minha avaliação.
Certamente o Congresso deve recorrer e, se houver uma decisão do pleno do STF, aí creio que fica legitimada a decisão. Acho que hoje uma decisão monocrática sobre tema tão sério e que agride uma relação harmônica entre os poderes não é de bom alvitre em um momento em que estamos fazendo um esforço enorme pra defender o mínimo de democracia desse país.
Fórum - E sobre a o projeto de vacinação privada aprovado na Câmara, que permite a empresas comprarem vacinas para imunizar seus funcionários, qual sua opinião?
Sou contrário. Não tem porque faz uns mais cidadãos que outros. Não tem por que um país que tem uma tradição como a nossa, de mais de um século com política de imunização respeitado no mundo inteiro, dar o poder a empresas de transformar vidas em negócios. Porque no fundo é isso.
Até parabenizamos a Rússia e o Vladimir Pirak que conosco conversou pela aversão dele em não negociar com empresas privadas, só com poder público. E nós falamos como autarquia pública.
Então, é um pouco esse sentido de princípio mesmo. Vamos lutar para que o governo federal cumpra sua parte. A gente sabe que é difícil. Temos um governo fascista, genocida, genocida com G maiúsculo. No entanto, a pressão popular está funcionando. O nível da crise sanitária é tão profundo que ele [Bolsonaro] foi obrigado a mudar o ministro da Saúde. Hoje nós temos um médico que tem demonstrado uma certa contradição com a história dele, mas ao mesmo tempo indicou uma mudança de postura no respeito às vacinas, inclusive a Sputnik. Não está aprovada pela Anvisa mas já há intenção de compra para o ano que vem, prevendo que a pandemia pode ser controlada, mas que certamente a política de vacinação seja permanente. E se for necessário, é bom que o governo realmente encomende até que tenhamos autonomia na produção de vacinas. Tem o Butantan, a Fiocruz, até mesmo laboratórios privados. Mas a política de imunização deve ser do Estado brasileiro em todos os níveis, inclusive das prefeituras.