Um estudo conduzido por pesquisadores de 16 países apontou que as disputas políticas em torno da pandemia de Covid-19 levaram o Brasil a fracassar no combate à emergência sanitária.
O projeto Comparative Covid Response: Crisis, Knowledge, Politics (Comparativo das Respostas à Covid: crise, conhecimento e política) tinha como ponto de partida entender por que a evolução da Covid-19 foi diferente entre esses países. O primeiro caso confirmado da doença no Brasil foi em 25 de fevereiro do ano passado. De lá para cá, o país concentrou 9,1% dos diagnósticos positivos de Covid-19 e praticamente 10% (9,95%) das mortes. Isso apesar de ter 2,7% da população mundial.
O relatório do estudo mostra que as tensões políticas levaram a polêmicas sobre isolamento social e uso de medicamentos que causaram danos extensos no combate à doença. Como se não bastasse, elas agora também prejudicam o planejamento da vacinação.
“Aproveitando a postura pública de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro zombou do vírus e pressionou por uma inviável política de ‘isolamento vertical’, visando atingir aqueles que estão em maior risco para manter a economia aberta”, apontou o relatório. Ainda de acordo com o documento, houve mais controvérsias, como a demissão de um ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, avaliado como “confiável” pelos pesquisadores, por apoiar medidas de quarentena impostas por governadores e prefeitos, que o presidente denunciou como “economicamente ruinosos”.
Integrante do grupo de pesquisadores brasileiros, Gabriela di Giulio, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, disseca esses efeitos na condução da pandemia e até mesmo na percepção da gravidade da doença pela população.
“Essas controvérsias ganharam muita visibilidade”, explicou ela à Fórum. “E elas confundem mais que elucidam a população sobre a gravidade do problema.”
Entre as polêmicas que levaram a essa confusão, que culminou no resultado atual, ela cita a promoção de medicamentos comprovadamente ineficazes para tratar a Covid-19 – como a cloroquina e a ivermectina. Também ganharam relevância as falas de Bolsonaro privilegiando a economia, contrapondo-se às quarentenas sanitárias decretadas por governadores e prefeitos. E, segundo a professora, ele inflou o apoio às suas teses, dentro desse ambiente de divisão política, o que contribuiu ainda mais para a confusão. “A ideologização da pandemia teve um resultado perverso na prática”, apontou.
Ambiente favorável ao caos
Gabriela ressalta que não houve um discurso único, uniforme, capitaneado pelo governo, que ajudasse a população a entender a gravidade do problema. “A comunicação de risco se deu muito mais pela mídia do que por um órgão governamental”, afirmou. Para ela, quando se confere a responsabilidade da comunicação de um problema de saúde pública à mídia, há um impacto.
“A pandemia eclode no Brasil durante um processo de desmonte estruturas vitais, como de saúde pública, de ciência e tecnologia, de educação e ainda do arcabouço que garante minimamente a proteção ambiental”, afirmou Gabriela. Em uma frase: “A pandemia encontra o Brasil em um ambiente extremamente favorável ao caos”.
E as perspectivas de curto prazo não são boas, diz a pesquisadora. “Como consequências das tensões político-partidárias, há a tentativa de introduzir dúvidas, obscurecer a informação, burlar a ciência e privilegiar outras questões em detrimento da saúde pública.” Para ela, certamente teremos desdobramento desses fatores por muito tempo ainda.
A pesquisa
A pesquisa tinha como premissa entender por que alguns países conseguiram conter o vírus e outros não tiveram tanto sucesso. Para isso, pesquisadores de 16 países se basearam naquilo que era divulgado nas mídias locais para traçar as estratégias de enfrentamento à pandemia.
Segundo Gabriela, equipes interdisciplinares proporcionaram uma observação mais ampla das relações entre ciência, sociedade e política e de como elas influíram em cada país.
“Havia a ideia de que basta disponibilidade de conhecimento técnico-científico que as decisões tomadas serão mais adequadas. Mas não é bem assim”, afirmou.
Do projeto, participaram 60 pesquisadores de Austrália, Áustria, Brasil, China, França, Alemanha, Índia, Itália, Japão, Holanda, Singapura, Coreia do Sul, Suécia, Taiwan, Reino Unido e Estados Unidos.
No Brasil, além de Gabriela, participam do projeto Marko Monteiro, professor da Unicamp, Alberto Urbinatti, pós-doc da Unicamp, Phillip Macnaghten, professor da Wageningen University, Ione Mendes e Felipe Reis Campos, doutorandos da FSP.
Veja a íntegra do relatório, em inglês, aqui.