Enquanto a prefeitura de São Paulo e o governo do estado anunciam um novo feriado com o objetivo de reforçar o isolamento social, medidas similares não parecem ser adotadas para manter profissionais da área da educação em casa.
Mesmo diante da pandemia do coronavírus, trabalhadores do chamado "grupo de apoio" das escolas municipais de nível infantil (EMEI) e fundamental seguem sendo obrigados a comparecer nas unidades de ensino. Os professores estão atuando de casa tentando realizar aulas remotas.
Sem grandes demandas relacionadas ao dia-a-dia de uma escola, os profissionais acreditam estar sendo obrigados pela Prefeitura a irem às escolas para garantir a "segurança" das instalações. Diversas mensagens em redes sociais e críticas do movimento sindical caminham nessa direção.
Há relatos de diversos trabalhadores da educação que contraíram a doença enquanto ainda são forçados a ir para as escolas mesmo sem aulas. Cerca de 20 profissionais já morreram de Covid-19.
Sem necessidade
Juliana Moreti, mãe de um aluno de uma escola de ensino infantil no Centro de São Paulo, contou à Fórum sobre a rotina de algumas escolas da região durante a quarentena e alertou para a falta de necessidade do atendimento diário nas unidades.
Bacharel em Letras e professora particular de italiano, ela participa do Conselho de Classe da escola do filho e tem atuado em uma Comissão Solidária formada por pais, professores e diretores de quatro EMEIs do Centro da cidade com o objetivo de arrecadar verbas e alimentos para as famílias dessas escolas que necessitam de ajuda durante a pandemia.
"Eu tenho vários amigos professores da rede pública. Por conta dessa ação, eu me dei conta da falta de necessidade dos funcionários estarem indo todos os dias para a escola", declarou Juliana. "Funcionários estão indo porque são obrigados a ir, exceto professores e grupo de risco. 90% dos trabalhos que eles tem feito podiam fazer de casa", afirmou. Segundo a Fórum apurou, há a exigência de pelo menos dois funcionários estarem diariamente nas unidades de ensino.
"A Coordenação realmente tem tarefa, recebe e-mails com tarefa, mas poderia fazer isso em casa. Ir uma vez por semana para garantir atendimento, mas poderiam fazer muitas coisas on-line", sugeriu ainda.
Segundo ela, a função principal desses profissionais é a de "proteger o patrimônio", tarefa da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo (GCM). "Para não pagar alguém para tomar conta da escola, para não pagar segurança, faz o funcionário ir lá tomar conta", afirmou.
"São cerca de 20 mil funcionários saindo de casa de bobeira nas escolas EMEI e de Ensino Fundamental I e II. Três mil seriam de trio gestor. Teve o caso de uma professora que faleceu. Ela fez quarentena, mas o marido era coordenador e era obrigado a sair", disse.
13 mil funcionários
Segundo dados do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), são aproximadamente 13 mil funcionários que estão tendo que se deslocar em razão da determinação da secretaria. Ao menos 24 funcionários da educação já morreram em decorrência da Covid-19 no Estado de São Paulo, sendo 17 no município, segundo Luciana Melo, secretária da Mulher Trabalhadora do Sindsep .
O caso da professora citada por Juliana estaria nesta conta e se refere a Luzia De Melo Ferreira, docente da EMEF João Franzolin Neto. Ela era professora de Língua Portuguesa e não estava indo trabalhar, mas seu esposo, do trio gestor da Emef do CEU Alto Alegre, era forçado a ir.
A história chegou a ganhar repercussão nas redes sociais e foi confirmada por Melo, que lamentou o episódio. A dirigente sindical ainda relatou à Fórum um caso de um analista que "ficou de plantão no sábado sem fazer nada e na segunda descobriu que estava com Covid". Thiago Calixto, de 39 anos, do CEU Sapopemba, gravou um vídeo relatando a situação. Ele afirma que tomou todos os cuidados, mas mesmo assim contraiu a doença. Veja o vídeo no final da matéria.
"O Sindsep desde 18 de março, na semana que saiu o decreto, fomos até a Secretaria para falar sobre a possibilidade do teletrabalho, falamos dos grupos de risco e da importância de um serviço não essencial não estar funcionando. Após o 18 de março a gente percebeu que na Educação alguns trabalhadores foram para o teletrabalho, principalmente os do grupo de risco, mas boa parte dos tralhadores continuaram nas escolas", alertou.
A entidade, que já protestou na porta da Secretaria de Educação e fez fiscalizações em diversas unidades de ensino, entende também "que a única resposta para a determinação da secretaria seria a questão patrimonial". "Mesmo que as unidades sejam utilizadas pela Secretaria de Sáude ou de Assistência Social quem deve fazer o trabalho são as pessoas desse setor, que são treinadas para isso", disse ainda.
Disputas na Câmara e no MP
Uma professora, que pediu para ter sua identidade preservada, também relatou à Fórum que gestores e funcionários de apoio seguem atuando. "À princípio a exigência era para organizar o cadastro pra enviar pra SME para a questão da merenda escolas. Passada essa fase, houve muito movimento do sindicato para que os gestores não fossem obrigados a ir para a unidade porque os trabalhos administrativos poderiam ser feitos de forma remota", declarou.
"E aí veio a questão de que a unidade não poderia ficar sem ninguém porque estariam expostas a furtos e arrombamentos. Ou seja, para fazer a segurança do local. Houve muita discussão na Câmara e representação no MP por desvio de função, mas eles mantiveram essa ordem de que os gestores precisariam estar na unidade", relatou.
"Agora, com essa reabertura, eles vão estudar o retorno e é temerário nas condições que se apresentam, até mesmo de higiene. Antes mesmo da pandemia já havia sido reduzido pela Prefeitura o contingente de funcionários de limpeza, as escolas já vinham enfrentando um sério problema de higiene antes. Agora, com os contratos suspensos, vai ser um caos", alertou.
A vereadora Juliana Cardoso (PT-SP) foi uma das parlamentares que travou discussões na Câmara sobre o assunto. À Fórum ela declarou que "são muitas as incompreensões sobre a forma como este governo pensa em relação ao enfrentamento da pandemia do coronavirus".
"Este fato demonstra uma espécie de narcisismo vindo do secretário e do prefeito, pelo fato de demonstrarem o poder e, apenas isso. Se as escolas estão sem aula, qual a necessidade de os membros da direção e os funcionários administrativos serem obrigados a cumprir horários dentro das escolas. Por quê não o Teletrabalho?", disse ainda.
Ela também critica a atuação municipal em razão da falta de centros de acolhimento nas regiões periféricas da cidade, fechamento de espaços destinados a moradores de rua e a falta de EPIs aos profissionais da saúde.
A posição da Secretaria de Educação
A Fórum questionou a Secretaria Municipal de Educação sobre a situação dos funcionário. A secretaria, então, citou o decreto municipal 59.283/2020, editado pelo prefeito Bruno Covas, para respaldar a manutenção do funcionamento das escolas. Segundo a pasta há a exigência de "pelo menos duas pessoas fazendo trabalho de combate à Covid das 10h às 16h30".
No caso das escolas a atuação dos funcionários seria a de dar suporte às ações, além de atividades logísticas e entrega de material. A secretaria negou as alegações de que os trabalhadores estejam atuando como seguranças. "Tem a GCM que faz a ronda", disse.
"Pode acontecer de alguém precisar atualizar um endereço, até mesmo para entregar o cartão de alimentação. A gente precisa desses funcionários para estar lá. É complicado, é complexo, mas não tem muito o que fazer", declarou.
Para o Sindicato Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), que lançou uma campanha chamada "poupar vidas na educação", as demandas não são justificáveis. "Tudo pode ser feito remotamente, não é justificativa. É uma nova realidade, não tem como escapar disso", disse à Fórum.
Desde março, o Sinpeem denuncia em seu jornal que o objetivo real da Prefeitura é o de garantir a segurança patrimonial. "A SME justificou a permanência para manter a guarda patrimonial das unidades", diz o jornal do sindicato em março.
"A posição do sindicato é totalmente contra esse funcionamento. O serviço pode ser feito remotamente, não é justo colocar dois profissionais correndo riscos. Os professores não podem correr risco, mas os demais funcionários podem? Não! Ninguém pode correr risco. A briga é pelo fechamento de todas as escolas", completou o Sinpeem. "Zero funcionamento, Há vários profissionais de educação vítimas da Covid-19".
Atualização às 19h05 com o aumento do número funcionários de educação mortos de Covid