O contraste do presidente argentino em relação ao seu par brasileiro não poderia ser mais gritante. Apesar da economia devastada pelos anos do neoliberal Maurício Macri, a Argentina tem uma situação relativamente sob controle na crise do coronavírus.
Não por acaso, Alberto Fernández possui 79,2% de aprovação e 93,8% de imagem positiva. Os dados são da consultora Analogías e foram divulgados na última semana de março. Enquanto no Brasil o clamor da nação é para que Bolsonaro não atrapalhe o combate ao vírus, na Argentina a direita fala em atuação “exagerada” do presidente. Detalhes mais à frente nesse texto.
Apenas a cidade de Buenos Aires, com seus 3 milhões de habitantes, tem um número elevado de casos: 521 até esta quinta-feira (9). No país, são 1.894 casos e 79 mortes até essa data. Para efeito de comparação, Recife tem população similar à da capital argentina e tem 684 casos registrados até esse momento.
Quando foi confirmado o primeiro caso na Argentina, no dia 3 de março, um homem de 43 anos que acabara de chegar da Itália, o presidente acionou o sinal amarelo. “É um caso isolado, mas é preciso ficar atento”, alertou Alberto Fernández – com a experiência de quem foi chefe da Casa Civil nos governos de Néstor e Cristina Kirchner.
Semanas antes, ele já havia atuado com agilidade e firmeza para garantir a repatriação de cidadãos argentinos que estavam na China e temiam ser contaminados pelo coronavírus. Na mesma época, Bolsonaro havia dito que seria “muito caro” trazer os brasileiros que se encontravam no epicentro da pandemia.
Desde as primeiras falas públicas, o mandatário argentino enfatizou a seriedade do tema, mas pediu à sociedade que não se alarmasse. A postura ao mesmo tempo séria e tranquila contribuiu para que a população e a imprensa escutassem com atenção o líder do país.
No primeiro dia do isolamento obrigatório em todo o país, 20 de março, Alberto divulgou uma longa “Carta aos argentinos” que foi muito bem recebida pela sociedade. A íntegra está disponível no site da Casa Rosada.
Nos dois meses anteriores, o governo esteve dialogando intensamente com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O objetivo era construir um acordo que permitisse o pagamento da dívida contraída por Macri de forma a não sacrificar o povo argentino. Essa primeira grande prioridade também contribuiu para o aumento da popularidade de Alberto Fernández, mas foram a postura e as medidas adotadas diante da crise do COVID 19 que o colocaram numa situação de plena aprovação.
Conspiração e especulação
Até mesmo expoentes da oposição macrista, como o prefeito de Buenos Aires, Horacio Larreta, puseram as armas da disputa política de lado e aceitaram a convocatória de Alberto para um trabalho conjunto em prol da saúde pública.
Em razão disso, Larreta tem sido atacado internamente por seus correligionários, que cobram uma atuação mais dura de contraposição ao presidente. Nas redes sociais, empresários e políticos ligados a Macri lançaram uma campanha para que ocorra uma “rebelião fiscal” e todo o país pare de pagar impostos e tarifas durante três meses. A iniciativa não colou, mas serviu para mostrar que também na Argentina há pessoas que são piores do que o coronavírus.
Escaldado pelas constantes explosões cambiais especulativas das últimas duas décadas, o presidente mandou um recado duro e direto a quem pensou em especular com a crise sanitária. “Saibam porque avisei: vamos perseguir quem aumentar indevidamente os preços dos elementos necessários para cuidarmos do coronavírus. Estamos em risco e o risco não pode ser um negócio para ninguém”, alertou, via Twitter.
Ajuda econômica e atuação “exagerada”
As medidas de contenção do coronavírus adotadas pelo governo nacional, bem como pelas províncias, vieram com rapidez e, ao contrário do Brasil, na Argentina
não prosperou a falsa discussão “saúde x economia”.
A proibição de demissão por 60 dias foi outra decisão que teve grande repercussão positiva no país e no exterior.
Além disso, seguindo a tendência mundial, o pacote de ações do governo para reduzir o impacto econômico da crise já ultrapassa 20 bilhões de dólares e possui desde linhas de crédito para empresas de todos os tamanhos até abonos para trabalhadores informais e famílias que recebem programas sociais. Isso tudo num país que estava pleiteando a renegociação da sua dívida com o FMI.
Diante desse cenário, um dos principais editorialistas do Clarín – a Globo da Argentina – acusou o golpe e disse que a atuação do presidente na crise estava “exagerada” e ele corria risco de perder capital político. “Nestes tempos de contágio e morte, Alberto Fernández não precisa agir em excesso para somar adesões ou algum ponto escorregadio nas pesquisas”, escreveu o articulista Fernando Gonzalez na quinta (2).
*Rogério Tomaz Jr. é jornalista, mestrando em Estudos Latinoamericanos e atualmente vive em Mendoza, Argentina.