Por Carina Vitral*
O coronavírus chegou ao Brasil impondo mudanças drásticas nas nossas rotinas, com a exigência de novos padrões de comportamento, outras formas de convivência em sociedade e maneiras de exercitar o nosso lado solidário, para termos sucesso no combate à disseminação do surto, evitar o caos no sistema de saúde e minimizar os efeitos previstos. União e engajamento são ainda mais importantes porque o país está sem comando, o presidente – um autoritário contumaz – é também um irresponsável, insano, incompetente, desleixado, despreocupado com a saúde da população.
Com certo atraso, segundo a opinião de alguns especialistas, as autoridades de saúde do Brasil começaram a tomar providências para evitar que em nosso país se repita a dramática situação da Itália, onde a doença se alastrou rapidamente porque teria havido demora em admitir a gravidade e a velocidade de propagação do vírus e, assim, tomar as medidas preventivas. Medidas rigorosas como fechamento de fronteiras estão ocorrendo em muitos países, incluindo vizinhos da América do Sul.
A Espanha decidiu estatizar hospitais privados para garantir atendimento às vítimas. Os Estados Unidos cogitam convocar engenheiros militares para montar hospitais temporários. Equador instituiu toque de recolher. Quarentenas são adotadas em todos os países, aglomerações estão sendo proibidas, aulas suspensas, eventos públicos cancelados, viagens adiadas, pontos turísticos fechados, etc. São muitas as medidas, algumas bastante radicais, para reduzir os efeitos devastadores do contágio mundo afora.
Graças à luta incansável de milhares de brasileiros, nosso país conta com o Sistema Único de Saúde, o maior e mais referenciado sistema de saúde de acesso universal do mundo. E é graças ao SUS que muitas vidas serão salvas, mesmo sabendo que a verba pública para a saúde vem diminuindo por causa da austeridade orçamentária que predomina no governo federal desde os tempos de Temer e agravadas pela funesta política econômica do governo Bolsonaro.
Devido à catastrófica Emenda Constitucional 95, que impôs o chamado teto de gastos em áreas essenciais como educação e saúde, o sistema público de saúde brasileiro vem acumulando perdas ano a ano. Levando-se em conta os valores empenhados pelo governo federal em 2018 e 2019, a perda foi de R$ 30,4 bilhões, muito mais que os R$ 5 bilhões solicitados pelo Ministério da Saúde para medidas emergenciais na rede pública. Isso faz muita diferença nas rotinas de atendimento, sobretudo num momento de crise gravíssima como esta do corona, e considerando que o Brasil tem apenas 1,7 leito de hospital por mil habitantes, ao passo que os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm em média, 4,9 leitos por mil habitantes.
É por isso que o Conselho Nacional de Saúde, com apoio de parlamentares, economistas, jornalistas e profissionais do setor, quer a revogação do teto dos gastos, para fortalecer o SUS e ter mais recursos para o combater o coronavírus – e outras doenças.
A economia do Brasil, que já vinha em queda livre, será ainda mais afetada, principalmente nos meses seguintes à contenção da epidemia. Os pequenos negócios – mercadinhos, quitandas, pet shops, lojinhas, lanchonetes, oficinas, academias, agricultores familiares –, que movimentam boa parte da economia real do país, sofrerão abalo incalculável. E assim ocorrerá em praticamente todos os setores econômicos, nos quais haverá reação em cadeia que resultará em mais desemprego e mais pobreza. Pior ainda para os trabalhadores informais, diaristas, temporários e intermitentes, como faxineiras, cabeleireiros, manicures, cuidadores, pedreiros, churrasqueiros, ambulantes, pipoqueiros, professores particulares e “uberizados” em geral – aqueles que o capitalismo chama de “empreendedores”.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que as altas taxas de desemprego, informalidade e desocupação atingem quase 110 milhões de jovens na América Latina e no Caribe. Quantos desses estão no Brasil? E em São Paulo? Se a eles somarmos os adultos e idosos sem direitos trabalhistas, sem aposentadoria, sem benefícios previdenciários, sem salários e sem assistência social, de quantos milhões de brasileiros estaremos falando?
Com o país praticamente parado, a economia quase em falência e a circulação urbana restringida, onde essas pessoas vão conseguir seu sustento nesse período calamitoso? Elas não têm salário, vivem de rendimentos esporádicos nos serviços de aplicativos, fazem bicos eventuais e, por isso, só têm alguma renda quando conseguem catar latinha, vender doce no farol, recolher caixas de papelão, fazer uma faxina, entregar um pedido de comida, agendar uma aula, ou atender uma corrida de carro.
Fala-se na imprensa que os governos deveriam socorrer empresas, suspender temporariamente o recolhimento de tributos, garantir algumas isenções. Mas quem vai socorrer os cidadãos sem emprego, os que estão no trabalho informal e precário, as mulheres que vendem bolo e café na esquina às 5 horas da madrugada para conseguir um dinheirinho para as despesas básicas? E as crianças que praticamente só têm refeições na escola, como vão se alimentar enquanto as aulas estiverem suspensas? Quem vai ajudar essas pessoas?
Ficar em casa? Sim, devemos permanecer com a nossa família, tendo o cuidado de proteger os idosos e as pessoas com problemas de saúde pré-existentes. Evitar contato físico ao cumprimentar. Não tocar os olhos, nariz e boca. Lavar as mãos com água e sabão. São várias as medidas de prevenção. Mas eu penso: se solidariedade e proteção se tornaram palavras-chave neste momento, onde as milhares de pessoas que “moram” ao relento vão lavar as mãos, se a cidade não oferece banheiros públicos nem bebedouros? Quem vai protegê-las? Essa é a parte da população mais exposta ao vírus e à crise, uma tragédia social e econômica.
Meu amigo deputado Orlando Silva (PCdoB) sugere zerar a fila do Bolsa Família, ampliar orçamento para assistência social, criar planos emergenciais para evitar que setores sensíveis da economia sucumbam à pandemia. Concordo, e penso que deve ser mantida a merenda das crianças nas escolas, sem desrespeitar as orientações sanitárias.
Há outras boas ideias sendo apresentadas, como uma renda mínima para as famílias mais pobres, suspensão de cobrança de água, luz e gás para a baixa renda, com proibição de cortes nesses serviços se ocorrer inadimplência, e proteção às mulheres – sempre as que mais sofrem devido aos cuidados com as crianças e os idosos, o sustento da família e a necessidade de trabalhar, quase sempre em trabalhos precários, sem os mínimos direitos. Defendo um plano emergencial que envolva todas as esferas de governo, o Congresso Nacional, o poder Judiciário, entidades empresariais, representantes religiosos, a mídia e os sindicatos, para que haja providências em larga escala e tempo recorde. Do contrário, só nos restará lamentar.
*Carina Vitral é presidenta nacional da União da Juventude Socialista e presidiu a União Nacional dos Estudantes