Por Jarid Arraes
Hoje, 29 de Agosto, Dia Nacional da Visibilidade Lésbica e Bissexual, é uma oportunidade para falarmos sobre a sexualidade feminina. Como contribuição, publico com exclusividade um dos meus cordéis: "Chica Gosta é de Mulher". Afinal, a Literatura de Cordel também pode - e deve - ser politicamente engajada.
CHICA GOSTA É DE MULHER
(Jarid Arraes)
Tem história nesse mundo
Que contar é obrigatório
Porque toca lá no fundo
E resulta em falatório
Como um fato oriundo
De longíquo território.
Bem numa cidadezinha
Pequenina e isolada
Existia uma menina
Muito da desenrolada
Era sapeca e malina
Doida de espivitada.
Chica era o nome dela
Tão bonita de doer
Só que nunca dava trela
Pra moleque aparecer
Sendo muito tagarela
Já partia a responder.
Quanto mais ela crescia
Mais se desinteressava
Com orgulho ela dizia
Que namoro não visava
Nenhum homem que existia
Para Chica ele prestava.
Como amigos tudo bem
Era bom se divertir
Mas se o papo ia além
Chica mandava partir
Não gostava de nhenhém
De chamego ou tititi.
Na cidade se espalhou
Um rumor de confusão
Pois de Chica se falou
Que ela era sapatão
Pois garoto não beijou
Nem quis dar um apertão.
Então Chica se assustou
E ficou sem entender
Refletiu, muito pensou
E findou a se morder
Porque bem se analisou
E por fim chegou a ver.
O que o povo repetia
Era muito verdadeiro
Chica então compreendia
Porque todo o desespero
Pois sua mãe desfalecia
Com tanto do enredeiro.
De rapazes não gostava
Mas achava interessante
Que as mulheres desejava
Dum jeito forte pulsante
E ela tudo imaginava
Com um fogo incessante.
Na real já percebia
Desde que era criança
Que se enchia de alegria
De amor e de esperança
Quando uma amiga sorria
Já lhe tendo confiança.
Foi parando pra pensar
Numa amiga das antigas
Que chamava pra dançar
Sem nunca sentir fadiga
Pois pra ela iria olhar
E sentir frio na barriga.
Mas havia um problema
Bem difícil de enfrentar
Um danado dum dilema
Todo dia a perturbar
Era o bruto do sistema
Que ia a Chica condenar.
Naquela sociedade
Era homem com mulher
Sem nenhuma novidade
Sem melzinho na colher
Escolher felicidade
Nem se muito se quiser.
O povo já se juntava
Prum ataque planejar
De raiva se espumava
A gritar e a xingar
Só faltava balaclava
Pra merda consolidar.
Foram juntos caminhando
Para Chica encurralar
Com o ódio fervilhando
Pra bater e pra matar
Quando a casa foi chegando
Se puseram a atacar.
Era tanta da corrente
Tinha até tocha de fogo
Uma multidão furente
Que não aceitava o novo
Mas a Chica imponente
Saiu pra falar cum povo.
A massa ficou surpresa
Com a tamanha valentia
Assustada com a brabeza
Nem um pio mais se ouvia
Chica cheia de certeza
Falou tudo o que queria.
Ela não se importava
Se gritavam "sapatão!"
Ela muito acreditava
Na grande revolução
Que só o amor causava
Preenchendo o coração.
E ainda disse além
Que já tinha namorada
Já estava com alguém
Louca de apaixonada
E não tinha seu ninguém
Que lhe desse carteirada.
De mulher ela gostava
Todos tinham que aceitar
Se a mãe se incomodava
Que também fosse mudar
Pois amor não se acaba
Só pra gente não falar.
Chamou sua companheira
Que era filha do prefeito
Deu-se uma bandalheira
Confusão de um tal jeito
No meio da barulheira
Escutou-se o sujeito.
Defendendo a sua cria
O prefeito então falou
Que no fundo já sabia
Disso nunca duvidou
E na vil patifaria
Um fim logo decretou.
O povo ficou perdido
Sem saber o que falar
Logo muito aturdido
Para casa foi voltar
Emburrado e remordido
Sem coragem de gritar.
Mas não pense que acabou
Todo o ódio da cidade
Só porque se aquietou
A pior barbaridade
Chica muito que lutou
Para ensinar igualdade.
Mas sua mãe já entendia
Até mesmo se informava
Se encheu de ousadia
E ao povo ela ensinava
Que aquela rebeldia
Muita coisa conquistava.
Pouco a pouco foi mudando
A mente de muita gente
Chica sempre acreditando
Num mundo bem diferente
Sempre amando e batalhando
Se anda sempre pra frente.
Como a Chica existe um monte
De mulher que mulher ama
Como inesgotável fonte
De amor com forte chama
Puro sentimento insonte
Que por igualdade clama.
Conto isso com razão
Para a todos explicar
Que a sincera atração
Não se pode aprisionar
Parem essa amolação
De a tudo controlar.
Que toda Chica da Terra
Se assuma com valentia
Pois ódio só se encerra
Lutando com maestria
Acaba-se logo a guerra
E planta-se a empatia.
FIM
Para mais Literatura de Cordel feminista, visite minha página ou o blogue do Cordel Expresso.
Foto de capa: Elixher