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Por Jarid Arraes,
[caption id="attachment_162" align="alignleft" width="300"] (Imagem: FdE)[/caption]
Na maioria das relações familiares, por uma questão cultural, são as mães as maiores responsáveis e aquelas que estão mais presentes na convivência com os filhos. Isso leva muitas pessoas a acreditarem que, sempre que uma criança se torna um adulto problemático, a culpa é das mães, aquelas que supostamente não o educaram direito. E é assim que continua se argumentando que as verdadeiras culpadas pelo machismo na sociedade são as mulheres, que não ensinam seus filhos homens a não serem machistas. Mas querer culpabilizar as mães demonstra uma grande ignorância.
A figura materna está presente em vários aspectos da nossa cultura. Os papéis de gênero delimitados são constantemente reproduzidos ainda nos dias atuais, mesmo que as formas de se educar filhos e as estruturas familiares se modifiquem com o tempo. Assim, a maneira como os pais interagem e ensinam seus filhos se transforma com o passar dos anos, dividindo espaço com outros agentes da educação, como a escola, a religião, a televisão ou mesmo os ciclos de amizades.
A Psicologia Sócio-Histórica destaca perspectivas que nos revelam essa soma de fatores. Para Vygotsky - cientista e pensador russo amplamente estudado em diversas áreas do conhecimento -, as pessoas se desenvolvem da compreensão, ressignificação e percepção do mundo, dos seus contextos históricos e culturais, linguagem e da interação entre todos esses pontos. Ou seja, os indivíduos não são educados somente por seus familiares, eles se constroem a partir de todo o mundo externo e seus valores, assim como de suas próprias capacidades e características individuais.
O processo de construção da identidade, comportamentos e opiniões é complexo, plural e subjetivo. Nenhuma área ou pessoa da vida de um sujeito é inteiramente e definitivamente responsável por seu caráter e personalidade. Mesmo que um pessoa receba certas orientações por parte dos pais, dificilmente seu ciclo social estará limitado à interação familiar, especialmente em um mundo com tecnologia e possibilidades diversas de entretenimento, lazer e informação.
Os valores transmitidos pelos pais ou responsáveis são, de fato, muito importantes, mas não definitivos e nem exclusivos. A verdade é que os valores absorvidos por cada pessoa desde a infância sofrem adaptações ao meio e aos novos contextos e aprendizados a sua volta. Ou seja, é possível dar uma nova roupagem, excluir ou incluir aspectos e até mesmo encontrar novas maneiras de encarar um mesmo fenômeno. A única certeza é a de que nada permanecerá igual ao que fora uma vez aprendido.
É muito fácil ser machista; afinal, o machismo é vastamente reproduzido na mídia e na cultura e posturas que inferiorizam as mulheres estão por toda a parte: nas propagandas dos mais diversos produtos, nos roteiros dos filmes e programas mais assistidos, nas letras das músicas e até mesmo na embalagem dos alimentos e produtos de higiene que consumimos. Há todo um sistema especializado em separar o mundo entre homens e mulheres e atribuir valores melhores ou piores a ambos. Não se trata de uma força isolada, mas de um grande e complexo sistema que subjuga o feminino.
É importante entender que qualquer indivíduo humano não é uma mera marionete dos seus pais, da escola ou da televisão. Ao contrário, basta pensar um pouco para lembrar que muitas das nossas próprias opiniões e preferências individuais são totalmente distintas daquelas de nossos pais, ou mesmo daquilo que aprendemos na escola. Somos formados por coisas que adquirimos de amigos, de livros, do ambiente profissional e de nossas experiências subjetivas, daquilo que somente nós vivemos e sentimos - e, portanto, somente nós significamos. Apontar um único canal ou estímulo é reducionista e pouco acurado, pois identificar as vivências mais relevantes para um sujeito é algo que apenas uma boa psicoterapia é capaz de revelar.
Além disso, culpar as mães pelos homens que agridem mulheres é uma forma de retornar a culpa à vítima, uma vez que as mães também são mulheres e também sofrem as consequências de uma cultura machista. Não são poucas as mães agredidas pelos próprios filhos, especialmente quando a velhice se aproxima. Dizer que as mães ensinam seus filhos homens a serem misóginos é corroborar com a retirada de responsabilidade dos agressores.
É preciso ter o senso crítico ativo para compreender que cada indivíduo é um ser único, que faz escolhas e opta de acordo com suas perspectivas. Transferir a responsabilidade para focos isolados limita a visão da realidade, impedindo de enxergar que o problema é muito maior e sustentado por todas as pessoas de nossa sociedade. Buscar meios de atuar em todas as esferas é garantir um compromisso de desconstrução do machismo.