Danh Vo & Xiu Xiu abrem evento com sorriso cínico
Por Ronaldo Ribeiro, de Berlim
Começou a 8ª Bienal de Arte de Berlim. No evento de abertura no museu de arte contemporânea da Freie Universität Berlin (Universidade Livre de Berlim), organizadores, artistas, estudantes e curiosos de todas as partes e tipos se acotovelavam para pegar uma bebida ou para dar uma olhada nas peças em exposição. Em exibição trabalhos, em vários meios, de artistas do mundo inteiro. Na primeira noite, o Berliner Knabenchor (Coral de Jovens) e o maestro Karl-Ludwig Hecht foram a principal atração com seu “New Collaboration” (Nova Colaboração), de autoria de Danh Vo & Xiu Xiu (cantor Jamie Steward em parceria com Danh Vo): um coro de crianças e adolescentes, cantando uma espécie de canto gregoriano, acompanhadas por um tecladista “a la hipster”, que insistia em tocar um canto de uma nota só em seu sintetizador, alternado por algumas palavras esparsas como “desperation” (desespero), pontuadas por alusões a Jim Morrison como “ride the snake” e “this is the end”, culminando com algumas estrofes do hino nacional alemão. Bem-vindos à Bienal de Arte de Berlim, e ao que boa parte da arte contemporânea tem produzido de estranho, hermético e cínico.
Como se sabe, Berlim é reconhecida hoje como um dos grandes centros mundiais da musica eletrônica e da arte contemporânea. Depois de alguns dias na cidade e de algumas conversas com locais fica mais fácil de entender o porquê. Parece que a tensão dos ritmos eletrônicos e a experimentação dos artistas contemporâneos comunica bem o clima de contradições que a cidade experimenta: tensão entre o legado da Guerra Fria e da separação da cidade em Berlim Ocidental e Berlim Oriental; tensão entre os movimentos imigratórios presentes na cidade; tensão econômica diante de uma certa letargia no empreendedorismo – são pouquíssimas empresas em indústrias tradicionais que têm escritórios em Berlim.
[caption id="attachment_142" align="aligncenter" width="600"] (Foto: Anders Sune Berg, courtesy Otobong Nkanga)[/caption]O trabalho de Danh Vo & Xiu Xiu “New Collaboration” parece explorar tais tensões. Berlim parece sedenta por receber o novo e, de alguma forma, fazer as pazes com o passado recente de tensões entre o leste e oeste na cidade e as novas tensões econômicas. Danh Vo & Xiu Xiu parecem saber disso. Ao fundir canto gregoriano à sonoridade do teclado que se vê em qualquer banda de Williamsburg (Nova Iorque), a Meca Hipster dos Eua; ao conduzir um coro de crianças e jovens que cantam Jim Morrison em notas altíssimas; e finalmente a melodia do hino nacional alemão: Danh Vo & Xiu Xiu privilegiam a colagem, o pastiche e a ironia para entreter e fazer pensar o público. Bastava olhar para o lado, contudo, para notar o desagrado em muitos dos espectadores. A ironia e o cinismo de Danh Vo & Xiu Xiu não pareciam ecoar com os sentimentos da plateia; se via ali muitos bocejos, gestos de impaciência, expressões de enfado.
Talvez aqui valha a referência ao escritor David Foster Wallace sobre as limitações da ironia na contemporaneidade.
“Qualquer pessoa com ousadia herética para pedir a um ironista para explicar o que ele realmente quer dizer acaba parecendo um histérico ou pedante. E aqui reside a opressão da ironia institucionalizada; esta ‘rebeldia’, a ironia, uma senhora muito bem-sucedida [nas artes]: a capacidade de interditar a questão, sem atentar para o assunto é, quando exercida, uma tirania. O ironista emprega o instrumento que usou para expor seu inimigo para isolar-se [e para assim evitar contra-ataques e ataques].” [1]
Concordo com David.
[1]http://www.salon.com/2014/04/13/david_foster_wallace_was_right_irony_is_ruining_our_culture/. Acesso em 29/5/2014. * Tradução do autor (Foto capa: Anders Sune Berg, Courtesy David Zink Yi)