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Para debatedores do Conexões Globais, movimentos atuais se caracterizam pelo encontro de coletivos, formando articulações horizontais e assimétricas
Por Redação
Os dois últimos debates do evento Conexões Globais neste sábado (25), em Porto Alegre, abordaram os temas “Tecnopolítica dos #protestosbr e Um Enfoque Global” e “Espaço Público e Sociedade em Rede”. Na primeira mesa, especialistas em monitoramento, análise de dados e análise cartográfica apresentaram estudos que se debruçaram sobre as manifestações públicas organizadas por meio das redes sociais. A ideia é utilizar novas ferramentas de análise das mobilizações. O consenso entre os debatedores foi que os movimentos deflagrados na rede mostram que as antigas formas de mobilização e de se fazer política ficaram na pré-história e é preciso entendê-los para sair às ruas junto.
Conforme expôs Bernardo Gutiérrez, jornalista, escritor, mídia-ativista e consultor digital, o estudo dos protestos na Turquia, México, Estados Unidos e no Brasil mostraram novos paradigmas políticos. As conexões de multidões pelas redes apontam que os movimentos diferem das formas clássicas de mobilização, não há lideranças, hierarquia e personalismo. Há, sim, a verificação do empoderamento na rede, o encontro dos movimentos coletivos, a reação advinda da rede, o que a análise de fatores como a carga emocional dos tuítes, o vocabulário utilizado (tags) indicam um sistema de rede mais horizontal, assimétrico.
Tiago Pimentel, diretor da Interagentes Comunicação Digital e presidente da Associação Actantes, observou que há pesquisadores que fazem distinção entre a tecnopolítica e a cyberpolítica, o que, para ele, são formas de abordagens que se misturam. Como exemplo, falou do debate no Brasil sobre o marco civil da internet, que tem uma dimensão tecno e outra cyber. E defendeu a necessidade de uma política de multicamadas e uma cartografia para se ver como interagem essas camadas, constituídas de diferentes perfis de participantes dos movimentos originados na rede. E concordou com Gutiérrez que esses atos mostram novo padrão de mobilização social, com lideranças temporais distribuídas, não centralizadas.
O espanhol Miguel Aguilera, que participou via webconferência, na mesma linha, destacou o padrão de auto-organização política da sociedade em rede e o uso estratégico das ferramentas digitais e identidades coletivas online para a organização, comunicação e ação coletiva. Ele mostrou a diferença entre as formas tradicionais de mobilização, via partidos políticos e outras instituições, com as novas formas de ações via rede. No primeiro caso, a maioria dos atores é de líderes previamente designados para tal, enquanto, no segundo, citando como exemplo o movimento 15M, em seu país, por meio de cooperativas, em que houve interações entre diferentes comunidades. “Os núcleos centrais correspondem a identidades coletivas”, disse.
[caption id="attachment_40563" align="alignleft" width="451"] Participantes do debate sobre redes e o quadro político das Jornadas de Junho (Foto Conexões Globais)[/caption]
A jornalista, pesquisadora e professora Raquel Recuero apresentou dados sobre os protestos de junho do ano passado no Brasil que estudaram a cobertura da mídia das manifestações e observou que a imprensa tradicional tratou o assunto como atos de violência, enquanto na realidade os eventos foram feitos de forma pacífica, com a violência partindo da polícia. Os estudos de mensagens postadas no Twitter no período, esclareceu, não trouxeram o clima de violência, mas apontaram a beleza das manifestações. Para ela, a disputa na rede entre essas duas formas de apresentar os eventos demonstra que há discursos que tentam ser hegemônicos e outros que tentar silenciar os demais.
O professor Fábio Malini ressaltou que as ações coletivas em rede levam à derivação para outras frentes. Do ato contra o aumento de passagens de ônibus os protestos multiplicaram para outras temáticas, como o “Onde Está Amarildo”, o que ele conclui pela necessidade de se ver a rede em atualização constante. Em sua opinião, é preciso ocupar junto com os movimentos, uma vez que os movimentos são “betapermanentes”, e vão derivando em função das conquista que vão obtendo. E vê também a disputa pelo discurso entre os vários protagonistas dos movimentos.
O espaço público
A última mesa de debates abordou a ocupação dos espaços públicos em reação às tentativas de privatização desse bem comum, tendo como mote a Copa do Mundo que será realizada este ano no Brasil. Os expositores forem unânimes em apontar que a questão não é apenas os jogos, gastos com estádios, retiradas de populações de suas casas para obras ou a “higienização” das ruas para causar boa impressão ao turista. Mas, sim, a conscientização de que o espaço público não pode perder essa característica e as mobilizações vêm no sentido de efetivar a participação da população nas discussões que interessam a todos.
Esse foi o tom da exposição de Anderson Girotto, do coletivo Defesa Pública da Alegria, que viu nas mobilizações em rede a construção de uma nova metodologia de se organizar e lutar pelos direitos. Ele frisou que a internet se configura uma ferramenta que é apropriada por quem quer se mobilizar, uma ferramenta de luta e de mobilização social. E o advento da Copa veio a demonstrar a contradição: o amor do brasileiro pelo futebol é afetado pela maneira como a Copa vem sendo organizada. “A Copa não é nossa, é da Fifa, das corporações. A Copa das Confederações, no ano passado, já demonstrou isso: o povo viu que não tem nada de bonito, apenas a privatização dos espaços públicos.”
Cláudia Fávaro, do MST e do Comitê Contra a Copa, foi na mesma linha e afirmou que o Mundial escancarou o modelo desenvolvimentista e privatista. Ela disse que não foi surpresa que os protestos se dirigem ao tema da ocupação da cidade, uma vez que já há tempos se vê a cidade em disputa. “Junho começou bem antes, com as mobilizações contra a ocupação dos espaços públicos. A Copa representa a outros setores da cidade a violação de direitos.” Ela argumentou que a Copa elitiza, não é para os pobres, e atacar a Fifa é um dever de todo militante.
Tássia Furtado, do coletivo Massa Crítica, de cicloativistas, abordou a questão da ocupação do espaço público por meio do uso da bicicleta, que permite um novo olhar sobre a cidade, uma nova maneira de interagir com as pessoas da cidade. E vê que há uma disputa pelo espaço público, os motoristas de veículos que se sentem incomodados com os ciclistas. Tássia revela que o movimento das pessoas que veem no uso da bicicleta uma nova forma de se relacionar com a cidade está crescendo, e as redes sociais têm papel fundamental para a organização dessas pessoas e a difusão da atividade.
Briza Brizolla, do Movimento Autônomo Utopia e Luta, relacionou a luta pelo transporte público de qualidade com o debate da ocupação do espaço público. Ele lembrou que essa mobilização vem de algum tempo e o diferencial de dois anos para cá é a insatisfação com a privatização do espaço público, motivada pela Copa e a parceria estabelecida entre os governos e a Fifa. Brizolla disse que as pessoas perderam o medo de enfrentar o inimigo, de ir às ruas, e a ocupação dos espaços públicos vem por meio da desobediência artística. “2013 trouxe outro patamar para a conjuntura política. Agora existimos, somos vistos. A pauta é o transporte público como ferramenta de ocupação do espaço público.” Os movimentos nas ruas demonstram que as pessoas cansaram de não ser ouvidas, observou.